“Antes do Raízes Kalungas, nós precisávamos correr atrás das autoridades para brigar por nossos direitos. Agora, elas estão vindo até nós e a própria comunidade pode se expressar.” A fala é de Edvan dos Santos Moreira, integrante da Associação Quilombola Kalunga, para quem a presença do presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), desembargador Carlos França, e do corregedor-geral da Justiça, desembargador Leandro Crispim, na comunidade quilombola Kalunga Engenho 2 representa “um sinal de grande avanço”.

Eles promoveram, nesta quinta-feira (10), de uma audiência pública na comunidade Engenho 2, que teve a participação de cerca de 300 pessoas, com o objetivo de prestar contas sobre as principais ações do Raízes Kalungas - Justiça e Cidadania nesses primeiros cinco meses de atuação e para ouvir a comunidade sobre como ela percebe as iniciativas e como aprimorá-las. “Nosso único objetivo aqui é servir a comunidade e trazer o Estado à região com os serviços públicos que vocês precisam”, afirmou o presidente, que, após ouvir a comunidade rebatizou o projeto de Programa Raízes Kalungas - Justiça e Cidadania. “Esse programa veio para ficar”, reforçou o presidente França, que já determinou que todas as providências necessárias sejam adotadas nesse sentido.

Para o corregedor Leandro Crispim, a audiência realizada no Engenho 2 é mais um encontro do Poder Judiciário com uma comunidade, mas representa o fortalecimento de um laço essencial de cidadania e respeito. “O Judiciário não deve ser visto como uma estrutura distante, inacessível, mas como um parceiro. Reconhecemos as dificuldades enfrentadas pela comunidade Kalunga, que vão desde o isolamento até as barreiras burocráticas”, afirmou ele, segundo quem, durante os mutirões do Programa Registre-se, realizados dentro do Projeto Raízes Kalungas, foram emitidas 551 certidões e realizadas 178 averbações, comunicações e anotações.

Assim como Edvan, diversos membros da comunidade puderam se manifestar na audiência pública realizada na Escola Municipal e solicitaram construção de creches a melhorias nos sanitários da escola, além de quadra coberta para as crianças praticarem esportes. Também foram sugeridas reforma e ampliação da escola, bem como a construção de uma biblioteca. “Nós temos muitos deveres, mas quanto se trata de direitos, muitas vezes ficamos à margem, sem acesso. Sou mulher, mãe, professora, participo da associação e venho falar do quanto o Raízes tem sido importante para nós, principalmente ter pessoas nossas trabalhando conosco. A fala dos nossos, entendemos melhor”, disse a professora Dominga Natália, de 35 anos.

A inclusão de pessoas da comunidade em aparelhos públicos foi mencionada pelo juiz auxiliar da Presidência e coordenador do Raízes Kalungas, Reinaldo de Oliveira Dutra, que, assim como os demais juízes auxiliares da Presidência, apresentou aos presentes um balanço das ações desenvolvidas até agora pelo programa. “Hoje, nos quilombos nós temos servidores nos PIDs, também houve um aumento de servidores kalungas no Fórum, na delegacia e no destacamento local e isso, imediatamente, já acarretou em incremento na renda da população”, contou.

A juíza Lidia de Assis e Souza, por sua vez, ressaltou as capacitações, rodas de conversa, palestras na preparação de servidores e conselhos tutelares, rede de proteção, além do trabalho de conscientização das comunidades kalungas pelos seus direitos. “A ideia é que esse projeto se estenda indefinidamente”, ressaltou. Já a juíza Jussara Louza destacou o diálogo travado com as comunidades nesse período e o contato com os problemas que mais os afligem, como a paralisação da construção da creche de Cavalcante e os problemas com o Hospital Francisco Domingos de Souza. “Nossa intenção é de servir de canal de comunicação e auxiliar na construção de soluções para essas importantes demandas da população”, disse.

Aldo Sabino, por sua vez, falou um pouco sobre as três frentes de atuação nesse período, como “a capacitação dos servidores e melhoria dos equipamentos da comarca; uma incursão pelas comunidades e, por fim, uma audiência pública que resultou na necessidade de inclusão digital”, observou. Já o juiz auxiliar da Corregedoria, Gustavo Assis Garcia, fez questão de falar sobre a gratidão por participar do Raízes Kalungas. “A mim cabe apenas agradecer e o que fica é o sentimento de alegria de poder participar desse projeto”, disse.

Proximidade


A promotora Úrsula Catarina, que há mais de duas décadas atua na comarca de Cavalcante, observou que de nada adiantaria todos os projetos apresentados pelos juízes auxiliares se o Poder Judiciário estivesse dentro de seus gabinetes, sem estar próximo da população, como ocorreu na audiência pública. “Sem isso não há como saber o que é ser kalunga”, disse. O juiz Leonardo Souza, que também coordena o projeto, reforçou a importância dessa proximidade e troca com as comunidades. “Esse é um projeto pioneiro e tudo que se faz pela primeira vez sempre se corre o risco de necessidade de ajuste e de se avaliar e refletir sobre a caminhada e corrigir eventualmente a rota”, concluiu.

Protagonismo
Para o procurador-chefe da Advocacia-Geral da União, advogado Francisco Antônio Nunes, “o que nós estamos vendo hoje aqui é o protagonismo do Judiciário Goiânia. Se não fosse o TJGO, isso aqui não estaria acontecendo. E eu sempre menciono isso nas reuniões de advocacias em Brasília. O TJGO mobilizou os órgãos federais do Ministério Público Federal, do Ministério Público Estadual para atuar aqui dentro, para estarem presentes e em defesa dessa grande comunidade”, observou.

“Quero realmente reconhecer a grandiosidade e o valor desse projeto. É algo novo e nos anima muito a seguir na nossa batalha diária”, complementou o procurador da República José Ricardo Teixeira Alves, que ressaltou ainda que Ministério Público Federal está atuando em ações judiciais, investigações administrativas, civis e penais, para proteger o território kalunga.


Transformação


Em um momento de reflexão sobre as conquistas e desafios enfrentados pelas 39 comunidades do território Calunga, o presidente da Associação Quilombola Kalunga, Carlos Pereira, destacou a importância da presença das autoridades na comunidade e a relevância do projeto. “Lembro da primeira reunião, quando muitos de nós nos perguntávamos: será que isso vai realmente acontecer? Ao longo dos anos, tantos projetos passaram por aqui sem deixar marcas significativas. No entanto, tenho acompanhado de perto cada uma das agendas e ações, e posso afirmar que estamos vivendo uma verdadeira transformação”, afirmou.

Presenças


Além da presença de aproximadamente 300 pessoas da comunidade, a audiência teve a fala de cerca de 20 pessoas, entre elas a do prefeito Vilmar Kalunga e dos integrantes da associação Damião Moreira e Adriano Paulino. Compareceram ao evento o juiz Thiago Inácio de Oliveira, que integra a força tarefa na comarca essa semana; o diretor-geral do TJGO, Rodrigo Leandro da Silva, e os secretários-gerais da Presidência e da Corregedoria, Dahyenne Mara Martins Lima Alves e Gustavo Maciel, respectivamente. Também participaram a primeira-dama de Cavalcante Lucinha e a presidente da Câmara de Vereadores Eriene dos Santos.

Antes da audiência, o presidente e o corregedor-geral da justiça distribuíram brinquedos arrecadados pela Diretoria do Foro da comarca de Goiânia para as crianças da comunidade. (Texto: Aline Leonardo - Fotos: Leonardy Sales - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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