Toda a pauta da juíza Érika Barbosa Gomes Cavalcante foi composta de audiências de usucapião no primeiro dia da 3ª edição do Justiça Itinerante, realizada em Divinópolis de Goiás, distrito judicial de São Domingos. Esta é a primeira vez que casos dessa natureza são incluídos no projeto, idealizado pelo chefe do Poder Judiciário Estadual, desembargador Carlos França, para ampliar o acesso à justiça em comunidades distantes dos centros urbanos.
usucapião e ações possessórias diversas, incluindo regularizações fundiárias, são comuns na região. Com uma população de pouco mais de 9 mil pessoas, a comarca de São Domingos de Goiás possui 68 ações de usucapião em andamento, segundo o gestor da escrivania local, Vanderlan de Sousa Rodrigues, segundo quem ainda existem muitas ações possessórias de outros tipos.
Um desses casos é o de Américo Martins da Silva, lavrador aposentado de 65 anos, dos quais 33 ele vive na Fazenda Lapa, sem a regularização da terra. Ele mora na fazenda com a esposa e dois dos três filhos, que se casaram, constituíram família e também residem na terra, de sete alqueires próxima à gruta de Terra Ronca. A área, segundo relataram três testemunhas, é bem formada, cercada, com casa, curral, criação de gado, plantação de árvores frutíferas como banana e laranja e possui energia elétrica e água encanada. “Estou aliviado, porque, apesar de estar tranquilo, a gente fica com a aquela falta de paz. É bom ter os documentos certinhos”, afirmou Américo.
Uma das características dessas ações, segundo o juiz Felipe Sales, é o fato de não haver contestação quanto à posse da terra, deixando a ação sujeita à regularização fundiária, além de reforçar o aspecto histórico na forma de aquisição de bens. “As pessoas compram um determinado imóvel mas não fazem o registro. Posteriormente, advogados especializados na área entram com ação de usucapião extraordinário pedindo a aquisição daquele terreno”, contou o magistrado, que apesar de ter assumido a comarca em abril desse ano, já percebeu a necessidade de incluir os casos na pauta do mutirão de serviços.
Para a juíza Érika Barbosa Gomes Cavalcante, essa é a vantagem do Justiça Itinerante, pois o programa se adequa às características da região. “Temos iniciativas como o Acelerar Previdenciário ou o Justiça Ativa, mas o Justiça Itinerante leva em consideração outras necessidades específicas dos municípios. Há uma dificuldade de regularização na região. Na cidade de São Domingos, há um problema cartorário em relação às matrículas e, nas comunidades rurais, muitas pessoas adquiriram imóveis informalmente. Isso repercute em várias áreas, inclusive nas naquelas de natureza previdenciária, de família e inventários”, observou.
Divino Espírito Santo
A questão é cultural, segundo o prefeito de Divinópolis, Charley Tolentino, e ainda mais grave em Divinópolis, que até 2018 não tinha sequer um lote com escritura. Segundo ele, os antigos donos da Fazenda Galheiros, devotos fervorosos, deixaram a área para o Divino Espírito Santo, com a determinação para que os outros admiradores do santo pudessem habitar as terras, que mais tarde dariam origem à cidade de Divinópolis, ou seja, cidade do Divino. A igreja, então, fazia a gestão desses lotes, repassando-os sem registro e, com os anos, a sucessão das posses permanecia informal, passada de pai para filho.
A situação é tão séria que o prefeito lançou o programa Minha Casa Legal, que isenta impostos municipais, como IPTU, e, ainda assim, apenas 122 moradores aderiram. Atualmente, a cidade de Divinópolis de Goiás tem 1.637 lotes, dos quais 1.515 sem a documentação legal. “Mas, é uma cultura local e para quebrar isso, é um processo. Então, esses 122 lotes já representam um avanço muito grande”, afirmou Charley, segundo quem, para a maioria, ter os carnês de água e luz em seu nome já é garantia suficiente. (Texto: Aline Leonardo - Fotos: Cecília Araújo - Centro de Comunicação Social do TJGO)