O contexto histórico e cultural do Racismo Religioso foi tema de uma palestra proferida nesta quinta-feira (17) pela defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, Daniele Silva, no auditório da Escola Judicial do Estado de Goiás (Ejug). O evento foi promovido pela Ejug em parceria com o Grupo de Estudos Étnico-Raciais e o Comitê de Igualdade Racial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO). Estavam presentes o diretor da Ejug, desembargador Jeronymo Pedro Vilas Boas; a juíza Adriana Maria Queiroz, coordenadora do grupo de estudos e presidente do comitê sobre o tema; e a vice-coordenadora, juíza Erika Barbosa Gomes Cavalcante.
Daniele Silva falou sobre o processo histórico que formou e intensificou esse tipo de crime tão presente na realidade brasileira. A defensora pública citou alguns dos principais casos de violência e intolerância religiosa já registrados no Brasil, como a Quebra de Xangô, ocorrida em Maceió (AL), em 1912; e a perseguição policial à Umbanda e Candomblé e o recolhimento de objetos sagrados, entre 1890 e 1945, que motivaram a criação do Movimento Liberte Nosso Sagrado.
A palestrante lembrou de um episódio de intolerância promovido por um veículo de comunicação, em 1999, que publicou uma manchete com os dizeres “Mercado da Enganação” junto a uma foto de Mãe Gilda, a lalorixá Gildásia dos Santos, fundadora de um terreiro de Candomblé em Salvador (BA). O local foi invadido por membros de uma igreja cristã e resultou na morte de Mãe Gilda, vítima de infarto. O fato resultou na criação do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, instituído pela Lei nº 11.635/2007.
“É um tema necessário e urgente, que precisa ser enfrentado. Mas enfrentado por cada um e, obviamente, institucionalmente pelas instituições. Se temos um Sistema de Justiça para promover e defender direitos e reparar direitos violados, é preciso que esse serviço público, para sua eficiência, não seja racista”, afirmou Daniele Silva.
Em sua exposição, ela abordou também exemplos de intolerância religiosa existentes em dispositivos legais, como presente no texto da Constituição de 1824, no Código Criminal de 1830, no Decreto 119-A de 1890, assim como no Código Penal de 1890. “Esses dispositivos respaldaram o aparelho repressor do Estado a promover uma caça às religiões de matriz africana ao longo dos anos. Com base nos códigos penais promulgados em 1890 e 1940, a polícia perseguia essas religiões e o Estado proibia manifestações religiosas, como a prática do curanderismo, do espiritismo e tantas outras”, destacou.
Alvo preferido
Durante o evento a coordenadora do Grupo de Estudos Étnico-Raciais do TJGO, juíza Adriana Queiroz, destacou que o racismo também se manifesta no âmbito da religiosidade e que levantamentos de dados estatísticos de manifestações de crimes e atos de ódio contra religiões apontam, de forma inequívoca, que esses atos possuem um alvo preferido.
“E esses alvos são as religiões de matriz africana e afro-brasileira. Sabemos que a religiosidade é um valor inestimável às pessoas. Assistimos, estarrecidos, a constantes violações a templos sagrados, terreiros dedicados a manifestações dos cultos destas religiões. Isso constitui uma barreira inexorável ao direito constitucional, à liberdade de crença, à liberdade de manifestação dessas religiões e dos cultos”, afirmou Adriana Maria dos Santos Queiroz.
Ainda conforme a magistrada, é fundamental que se promova reflexões e se cobre responsabilidade “daqueles que insistem em não respeitar os diferentes, em não respeitar as diversidades que permeiam a nossa sociedade brasileira”. “O Poder Judiciário tem o compromisso de defender a Constituição Federal e os direitos que dela emanam. O Poder Judiciário estadual não foge dessa luta. O TJGO vem desenvolvendo ações concretas para somar frente ao combate a todas as formas de discriminação e racismo. E não poderia deixar de lado o enfrentamento desta questão tão importante e lamentável, que ainda existe na nossa sociedade, que é o racismo religioso”, ressaltou.
Formação e capacitação
O encerramento do evento ficou a cargo do diretor da Ejug, desembargador Jeronymo Pedro Vilas Boas. “Essas questões culturais, que atravessaram o tempo, que marcaram a nossa existência como seres humanos, traduz o que foi dito aqui na palestra. A única forma de solucionar isso é através da educação. Não há outro caminho. Investindo, principalmente no âmbito do Judiciário, na formação e capacitação de juízes e servidores públicos”, reforçou o desembargador.
Também participaram do evento o diretor de Comunicação Social do TJGO, Luciano Augusto;e a coordenadora executiva da Ejug, Eunice Machado Nogueira; a juíza de Direito, Lídia de Assis e Souza; e magistrados e servidores membros do Comitê de Igualdade Racial. Veja galeria (Texto: Sarah Mohn – Fotos: Acaray Martins / Centro de Comunicação Social do TJGO)