Foto da apresentação cultural na audiência pública

55% da população brasileira é constituída por pardos e pretos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2018. No Poder Judiciário, são apenas 15% de magistrados negras e negros. Esses dados foram citados pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), desembargador Carlos Alberto França, para ilustrar a desigualdade racial presente no Poder Judiciário brasileiro, mas, principalmente, para ressaltar a importância da primeira audiência pública do Comitê de Igualdade Racial do TJGO, realizada nesta quinta-feira, 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura.

“O Poder Judiciário goiano sente-se honrado com a realização dessa audiência pública, pois a temática é muito cara a todos. A desigualdade racial e o tratamento diferenciado também acontecem no Poder Judiciário, que não é uma ilha e nós temos no Judiciário um racismo que reflete o senso comum da nossa sociedade”, reconheceu o presidente Carlos França.



O chefe do Poder Judiciário goiano comentou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) precisou editar atos normativos para amenizar o distanciamento social em relação às raças e, dentre essas medidas, estão as cotas nos concursos para magistrados e servidores. O TJGO está em fase de elaboração de concursos para magistrados, servidores e para serventias extrajudiciais e, em todos, as cotas serão respeitadas, tanto na composição das bancas examinadoras, quanto em relação ao número de vagas.

Ao ler duas sentenças de magistrados brasileiros fundamentadas em critérios de discriminação racial, Carlos França lamentou que as decisões, além de negativas, “depõem contra o Poder Judiciário”. Por fim, o presidente do TJGO manifestou apoio integral da gestão às ações do Comitê de Igualdade Racial, pois, de acordo com ele, “o Poder Judiciário goiano tem o dever de ombrear essa luta contra a desigualdade racial junto com o CNJ e a sociedade.”

“Espero, um dia, ainda ver a concessão de oportunidades iguais para todos. Assim, estaríamos vivendo a verdadeira igualdade”, finalizou o presidente, incentivando, ainda, a realização de outros eventos no calendário do TJGO para multiplicar o debate pelo combate à discriminação.

Ainda participaram da mesa de abertura virtual da audiência, o corregedor-geral da Justiça do Estado de Goiás, desembargador Nicomedes Domingos Borges, e os juízes auxiliares Sirlei Martins da Costa (Presidência) e Ricardo Silveira Dourado (CGJGO).

Comitê de Igualdade
Representando todos os integrantes, a coordenadora do Comitê de Igualdade Racial, juíza Adriana Maria dos Santos Queiróz de Oliveira lembrou que o dia escolhido para o evento rememora um data histórica que aconteceu há pouco mais de um século (133 anos), e que “as cicatrizes abertas naquele momento ainda permanecem abertas e sangrando na nossa sociedade.”



“Ainda que muitos neguem, sob o manto da falsa democracia racial, a realidade e perspectivas estão longe de alcançar a tão sonhada igualdade. Homens e mulheres negras permanecem à margem da sociedade e engrossam as mais cruéis estatísticas de discriminação, refletiu a magistrada.

A raça negra, apontou a coordenadora, é a maioria da população que vive na extrema pobreza, sem acesso à educação, sem emprego e a maioria da população carcerária. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado. Por outro lado, os pretos e pardos são minoria nos espaços de poder, nos cargos públicos e carreiras de Estado.

“O sistema é comprovadamente excludente e não há como negar a permanência e ramificação dos instrumentos racistas”, expõe a juíza Adriana Maria dos Santos Queiróz de Oliveira, acrescentando que cada um de nós precisa se questionar sobre o que tem feito pela luta antirracista.

“O TJGO assume uma postura ativa e concreta antirracista, demonstra que não quer mais silenciar essa causa, quer trazer ao debate de forma institucional e construir coletivamente aprendizados no combate ao racismo. E é uma postura de vanguarda, pois é um dos poucos tribunais de justiça a constituir um comitê específico para a causa racial”, destaca a coordenadora.

Sistema de Justiça



Além de um pronunciamento inicial, cada um dos representantes das instituições pôde apresentar sugestões de ações para o Comitê do TJGO, e trouxeram, inclusive, as experiências de projetos já implementados. Para a promotora de Justiça Tamara Andréia Botovchenco Rivera, coordenadora da Área de Atuação de Políticas Públicas e Direitos Humanos do CAO do Ministério Público de Goiás, “o dia 13 de maio é uma data marco, mas que ainda não pode ser comemorada”. “Esse é um tema que precisa estar em pauta diariamente, além das ações e projetos, a única forma de mudarmos é falando e não ignorando”, acredita a promotora.

A representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás- foi a presidente da Comissão Especial da Promoção da Igualdade Racial, Maura Campos Domiciana, que se mostrou esperançosa com a contribuição da audiência para o surgimento de “ideias e políticas públicas para uma sociedade mais justa”. Maura relatou que um dia depois do 13 de maio de 1888, no dia 14, os negros estavam todos na rua, sem casa, sem atividade profissional, sem dinheiro, pois o “Estado os libertou, mas não deu nenhuma condição de sobrevivência. Os negros foram empurrados para guetos e favelas e ainda hoje eles ainda são massacrados.”

A advogada destacou a importância da aprovação das cotas para mulheres e negros nas eleições da entidade; sugeriu ao Poder Judiciário treinamento e conscientização dos prestadores de serviço que controlam as entradas dos prédios para que não cometam atos de discriminação e, para ela, além de cumprir os atos normativos, é preciso “fiscalização em relação às cotas”.

Coordenador do Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de Goiás, Salomão Rodrigues da Silva Neto apresentou como contribuição a experiência de vários projetos em andamento na Defensoria. Dentre eles, a realização de um censo interno com dados formalizados sobre o público negro da instituição; identificação racial do jurisdicionado atendido pela Defensoria para monitorar o acesso à justiça pela população; a formação continuada, a temática racial como conteúdo de concursos e, ainda, sugeriu a instituição de cotas, observando os critérios legais, nos tribunais do júri.

O diretor-geral adjunto da Diretoria Penitenciária, Aristóteles Camilo El Assal, evidenciou o trabalho contra a discriminação racial no sistema penitenciário e defendeu o endurecimento das punições contra o racismo.

Contribuição da UFG
Pedro Rodrigues Cruz, que preside a Comissão de Heteroidentificação da Universidade Federal de Goiás (UFG), destacou a importância do Poder Judiciário e demais integrantes da Justiça demonstrarem a preocupação com o tema, pois, segundo ele, muitos casos de cotas raciais são judicializados e há a reversão da vaga destinada ao cotista e “não há uma reparação a essa pessoa, que perde uma chance, muitas vezes, única na vida.” Para Pedro Rodrigues Cruz, a instituição de uma política de igualdade no Poder Judiciário é fundamental para uma sociedade mais justa e para preservar os direitos de cotistas contra fraudes. A adoção das cotas pela UFG ocorreu em 2008 e, dessa experiência, o servidor ressaltou a importância do trabalho de educação e informação sobre os critérios das cotas, pois “a sociedade não conhece”. Ele também afirmou que muitos cotistas temem o preconceito e omitem tal declaração.

Entidades de classe
Representando a presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), juíza Patrícia Carrijo, o diretor da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás (Esmeg), Thiago Bentes salientou que a Asmego tem acompanhado e apoiado todo o debate relacionado à política de direitos humanos no Tribunal e parabenizou a Administração pela postura e condução das temáticas, pensamento que para ele será repetido nas gestões seguintes. O magistrado acredita que é necessária uma “conscientização em massa, tirando todos das zonas silenciosas de conforto”.

Servidor do TJGO há 31 anos, Luzo Gonçalves, que é vice-presidente do Sindicato dos Servidores e Serventuários da Justiça do Estado de Goiás (Sindjustiça), disse que essa é a primeira vez que vê uma “mobilização originada pelo TJGO com o intuito de valorizar e dar voz à força negra”. Segundo ele, dos mais de 10 mil magistrados e servidores do TJGO, 1.441 são negros. Diante dos números, o servidor disse sonhar com um tribunal onde os negros estão em todos os lugares, não só nos serviços básicos, como também proferindo sentenças e decidindo a vida dos jurisdicionados.”

Pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça Avaliadores do Estado de Goiás (Sindojus-GO) participaram o presidente Moizés Bento dos Reis e o oficial de justiça Fernando Lemes. Para Moizés Bento, a discussão sobre a desigualdade racial acontece ainda hoje pela omissão do Estado por mais de um século, pois, apesar da abolição ter acontecido em 1888, somente em 2003 o Estado brasileiro criou uma Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e, só em 2010, houve a instituição do Estatuto da Igualdade Racial. “Esse silêncio e omissão do Estado provocaram uma enorme desigualdade”, acredita o presidente, que ainda destacou a representatividade do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa. Para Moizés Bento dos Reis, certamente, Joaquim Barbosa travou uma luta muito maior do que a dos colegas para chegar até o posto principal da mais alta Corte do país.

Como contribuição, o Sindojus-GO falou do papel da Escola Judicial de Goiás na educação sobre o tema, a possibilidade de cotas para as bolsas de estudo, e, ainda, propôs que o TJGO promova uma campanha de conscientização sobre as cotas como instrumentos para diminuir a desigualdade racial.

As propostas apresentadas na audiência pública farão parte de relatório do Comitê de Igualdade Racial. O evento, transmitido pelo Youtube, contou com a apresentação da banda Dona da Roda, com participação da cantora Thayná Janaina.

Integrantes do Comitê de Igualdade Racial que participaram da audiência: juiz Hugo de Souza Silva, diretor de Comunicação Social do TJGO, Luciano Augusto Souza Andrade, servidores Luiz Phelipe Fernandes de Freitas Morais, Cláudio Henrique Pedrosa, Cecília Araújo de Oliveira, Joelma Costa Santos, Afonso Rodrigues Bruno Neto e o oficial de justiça David Martins de Cerqueira. (Texto: Daniela Becker / Fotos: Luciano Augusto - Centro de Comunicação Social do TJGO).

 

Quer saber mais sobre seu processo. Fale comigo!
Atendimento Virtual
Programa de Linguagem Simples do TJGO
Avalie nosso serviço