Nascida no interior de Goiás, criada em Trindade, na Região Metropolitana de Goiânia, uma dos seis filhos de José Joaquim Hilário e Luzia José da Conceição, a ministra Laurita Hilário Vaz foi a primeira mulher a presidir o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no biênio 2016-2018. Casou-se ainda muito jovem com José Vaz, foi mãe aos 17 anos, tem três filhos, sete netos e estudou em escolas públicas. Disciplina, persistência e dedicação foram qualidades suas que a fizeram a ocupar cargos importantes no País.
“A vida é feita de escolhas. Toda escolha pressupõe uma renúncia. Casei muito cedo, tive meus três filhos muito cedo, mas nada disso foi empecilho para minha carreira jurídica, porque sempre pude contar com o incentivo e apoio incondicionais da minha família, em especial do meu marido, que divide comigo todas as tarefas e obrigações da vida comum”, salientou.
Formada na então Universidade Católica de Goiás, atual PUC/GO, Laurita Vaz começou como promotora de Justiça do Estado de Goiás. Depois, encarou outro certame para ingressar no Ministério Público Federal, onde fez carreira, ocupando todos os cargos, até alçar ao posto de subprocuradora-Geral da República. Lá, foi candidata a uma vaga de ministro do STJ. Depois de escolhida entre os pares, integrou uma lista sêxtupla, que foi submetida ao Plenário do STJ, que escolheu três nomes, dentre eles, o dela. A lista tríplice foi apresentada para o Presidente da República, à época, Fernando Henrique Cardoso, que a escolheu. Foi sabatinada no Senado Federal, que aprovou sua indicação. Tomou posse no STJ em 26 de junho de 2001. Onde está até hoje. E quem pensa que para por aí, está enganado. Como ministra do STJ, foi presidente de Turmas, de Seção e corregedora do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com esse currículo, Laurita Vaz prova que chegar ao lugar almejado é possível, desde que se dedique a seus objetivos. Segundo ela, o primeiro e principal obstáculo é vencer seus próprios medos e se livrar das limitações que parte da sociedade insiste em criar. Segundo ela, é sempre um grande desafio desenvolver uma carreira de sucesso profissional e, ao mesmo tempo, dar conta de todas as outras obrigações ou atribuições que tradicionalmente a sociedade ainda espera da mulher que precisa ser boa esposa, ótima mãe, excelente dona de casa, além de todo o mais. “A família, por isso, precisa estar bastante harmônica para entender essa mudança de papéis e a maior participação da mulher no mercado de trabalho, o que enseja, necessariamente, também, maior integração dos homens nas demais tarefas do dia a dia”, ressaltou Laurita.
A experiência de ter sido a primeira mulher a presidir o STJ foi, para Laurita Vaz, desafiadora e gratificante. “Para qualquer um, administrar o tribunal superior que mais julga no mundo, com aproximadamente 5 mil trabalhadores, entre servidores e terceirizados, não é tarefa fácil”. No entanto, ter sido a primeira mulher a presidir o STJ teve um brilho e, também, uma carga a mais. Durante sua gestão, na composição dos cargos de direção, deu oportunidade para várias mulheres do quadro de servidores, não pelo simples fato da questão de gênero, mas, conforme salientou a ministra, pelas suas reconhecidas competências. “Tive uma diretora-geral à frente da administração e mais da metade das secretarias e assessorias chefiadas por mulheres. No meu biênio, realizamos vários avanços, provando a capacidade laboral das mulheres, que reforçam o preparadíssimo quadro de funcionário do STJ”, frisou.
Os fatores, de acordo com Laurita, que contribuem para o crescimento da participação das mulheres, não só no STJ mas em todo mercado de trabalho são o estudo, a perseverança, a determinação e a força da mulher brasileira, que, segundo ela, não desiste nunca, que está sempre disposta a enfrentar e vencer as barreiras que lhes são impostas. “As mulheres estão à prova todos os dias. É tarefa diária demonstrar e reafirmar sua competência, além de serem submetidas a uma avaliação que costuma ser bem mais exigente do que para os colegas homens. Para as novas gerações, costumo dizer que o melhor incentivo vem do exemplo. Mais do que palavras, são as ações e as realizações que motivam os jovens”, pontuou.
Para a ministra Laurita Vaz, o tema do espaço da mulher na sociedade brasileira ainda merece muita atenção. Ela afirma que já perdeu as contas de quantas vezes foi chamada, em diferentes ocasiões, para falar sobre o papel da mulher, suas lutas e conquistas, dificuldades e desafios, “mas não se cansa de ressaltar a extrema importância de debater essas questões, ouvir as experiências daquelas que alcançaram seu sucesso profissional e pessoal, como forma de mostrar a todos e a todas, em especial para as novas gerações, que a jornada é dura, há muitos obstáculos, mas, quando se tem um ideal, a chegada sempre vale a pena.”
“E, mais do que isso, faço questão de ressaltar a importância de se discutir as políticas públicas e buscar meios para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária, onde todos, independentemente de gênero, origem, raça, cor ou religião, tenham seu espaço e, sobretudo, sua dignidade respeitada. Não podemos e não devemos nos colocar como se estivéssemos de lados opostos. Toda vez que o ser humano erige supostas diferenças para justificar preconceitos, ele levanta muros, cria nichos, e quem está fora é visto, frequentemente, com desprezo ou menosprezo”, falou a ministra.
Mulheres no Judiciário
Segundo ela, “hoje os jovens veem mulheres em postos de comando de setores públicos e privados sem muita estranheza e até com certo grau de naturalidade. Contudo, os mais velhos – e não tão velhos – certamente sabem que nem sempre foi assim, porque vivenciaram outra realidade. Na minha seara profissional, posso dizer que a mulher moderna desbravou espaços e vem ocupando postos de relevo no Poder Judiciário. A saudosa ministra Cnéa Cimini Moreira de Oliveira, foi a primeira mulher a ocupar o cargo em um Tribunal Superior (TST) em dezembro de 1990. Em junho de 1999, a ministra Eliana Calmon foi a primeira a ocupar um assento no STJ, dez anos depois de inaugurado. Depois dela, outras vieram. Atualmente, somos seis dentre trinta e três ministros”, informou.
Além disso, em dezembro de 2000, tomou posse a primeira mulher a integrar a mais alta Corte do país: a ministra Ellen Gracie Northfleet, que ainda exerceu a presidência do Supremo Tribunal Federal por dois anos. Laurita Vaz lembrou que, “diferentemente do que ocorre nas Cortes Superiores, a participação de mulheres na Justiça de primeiro grau reflete melhor o espaço que tem sido conquistado por candidatas que, em número cada vez maior, são aprovadas nos concursos públicos para ingresso na magistratura, e também no Ministério Público, dividindo em números quase paritários os cargos de juízes e de promotores de justiça”.
A propósito, Laurita Vaz relembrou uma história contada pelo seu assessor, que, certa vez, “ao comparecer a uma audiência, no TJDFT, para servir de testemunha em um caso de violência doméstica contra uma senhora que, à época, trabalhava na casa dele, deparou-se com uma mulher policial na frente da porta; uma juíza na condução do ato; uma promotora de Justiça ao lado; uma defensora pública na defesa do réu; e uma servidora no auxílio da juíza.”
“Depois de ser identificado, a juíza perguntou com quem ele trabalhava no STJ. Quando ele disse que era com a ministra Laurita Vaz, conta ele, sem segurar o riso, que ‘acabou’ a audiência: com exceção da policial da entrada, todas as operadoras do direito daquela sala haviam sido minhas alunas na faculdade. Diz ele que tomaram o depoimento rapidamente, mas ficaram um bom tempo rememorando os tempos de faculdade. Com felicidade, vejo como na Justiça de primeiro grau já não há mais espaço para barreiras de gênero”, enfatizou.
No entanto, segundo a ministra, “esse progresso, infelizmente, ainda não chegou para muitas mulheres, que ainda são vítimas de maus tratos, violências, opressão e toda sorte de discriminações. Para essas, o tempo parece correr mais devagar. Mais uma vez insisto na importância do debate desses temas, de se lançar luz sobre essas sombras, de modo a construirmos, juntos, sociedade civil e autoridades do Estado, uma solução para acabarmos com essa triste realidade”, ponderou. (Texto: Arianne Lopes / Foto: arquivo pessoal / Hotsite: Cecília Araújo / Arte: Wendel Reis - Centro de Comunicação Social do TJGO)
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