O titular da 1ª Vara Cível de Anápolis, juiz Eduardo Walmory Sanches, negou pedido para retirar do mercado uma obra literária, publicada de forma independente. No pleito, a autora do processo alegou que um dos personagens retratados no livro foi baseado em sua vida e, dessa forma, solicitou que as cópias não fossem mais comercializadas e divulgadas. Para o juiz, contudo, tal proposição é um pedido de censura, não amparado pela legislação brasileira.
“Revela-se inconcebível que o Poder Judiciário seja transformado em editor chefe da Nação e possa dizer o que deve ou não ser lido e o que deve ou não ser publicado. A vedação a censura é a pedra de toque do sistema verdadeiramente democrático de qualquer país, povo ou nação que acredite e pratique a liberdade e a democracia em sua plenitude”, esclareceu o magistrado. “No caso em julgamento, o autor do livro (réu) utilizou-se de nomes diferentes e não indicou em momento algum da obra de ficção que a autora era sua fonte de inspiração”, completou.
“Na Caverna das Decepções – Passando por decepções amorosas ao lado de Cristo” foi escrito pelo anapolino Mateus Soares Diniz e é comercializado, nas versões física e digital, na plataforma Amazon. Como o título sugere, as páginas narram desilusões do namoro e casamento do protagonista Misael e o posterior amparo buscado na religião para superar a crise emocional. Na petição, a autora do processo alegou que a história “ultrapassa a mera coincidência” ao apenas trocar nomes dos personagens e que os leitores fariam fácil assimilação do conteúdo retratado com sua vida pessoal, motivo pelo qual ela pediu, liminarmente, a censura e também danos morais, ainda pendentes de julgamento.
Democracia e direitos individuais
Para o juiz Eduardo Walmory, há um conflito entre liberdade de expressão versus o direito individual da honra, ambas garantias individuais, previstas no artigo 5º da Constituição Federal. “Ou seja, o autor tem liberdade de expressão em publicar sua obra literária, assim como aquele que se sentiu ofendido tem a liberdade de solicitar indenização”, ponderou.
Dessa forma, o juiz destacou que o mais sensato a se fazer quando um escritor narra algo em sua obra literária que não agrada ou que ofende diretamente uma terceira pessoa é aplicar o instituto da responsabilidade civil. “O ofendido pode solicitar reparação moral e material (dependendo do ataque e da ofensa). Mas, por sua vez, o ofendido não pode censurar o pensamento e a liberdade de expressão do escritor. A liberdade de expressão é o direito humano mais importante que existe. O totalitarismo surge quando a liberdade de expressão é mitigada”.
Ainda sobre possíveis ofensas, o magistrado esclareceu quando há, num livro, difamação, a calúnia, é possível, sim, processar o autor da ofensa, tanto no âmbito civil (indenizatório) quanto na esfera criminal, embora não seja possível a censura. “Recolhimento de livros e de revistas das bancas ou de sites e de plataformas digitais é inaceitável e incompatível com o regime verdadeiramente democrático”. Veja decisão. (Texto: Lilian Cury - Centro de Comunicação Social do TJGO)