Por unanimidade de votos, os integrantes da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) decidiram manter sentença de 1º grau proferida na Vara de Fazendas Públicas da comarca de Campinorte, negando pedido do município de Alto Horizonte para que a Companhia Energética de Goiás S/A (Celg) lhe pagasse R$ 4 milhões referentes a descontos irregulares de sua conta corrente. Os débitos eram em decorrência de um convênio firmado entre Celg, Estado de Goiás, Associação Goiana dos Municípios (AGM) e o Banco do Estado de Goiás (BEG), de 1993 a 2000.
O acordo firmado entre as partes previa que a Celg arrecadasse o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) dos contribuintes e repassasse para o Estado de Goiás que, por sua vez, entregaria a parcela devida aos municípios para que eles quitassem suas dívidas de energia elétrica par a empresa. No entanto, o município alegou que o convênio é nulo, pois a AGM não tem poder para lhe representar, por isso, não pode criar obrigações em seu nome, além de que as prestações eram debitadas de sua conta corrente sem seu consentimento. Diante disso, requereu a quantia de R$ 4 milhões, correspondentes aos descontos feitos durante o acordo.
Em contrapartida, a Celg asseverou que todos os recursos eram depositados na conta corrente da prefeitura, sempre submetidos a controle de contabilidade e aprovados nos balanços anuais, inclusive com o aval da Câmara dos Vereadores e do Tribunal de Contas dos Municípios durante o período de vigência do convênio. Alegou também que não recebeu qualquer comunicado no sentido de rescindi-lo e, com o fim do acordo, o município firmou outros com o mesmo objetivo.
A relatora do voto, desembargadora Elizabeth Maria da Silva, reconheceu a existência de jurisprudências do Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmam a invalidade do acordo firmado entre as partes, pois o município não foi representado pelo seu representante legal, o prefeito. No entanto, alegou a magistrada, “não se pode supor que a nulidade do pacto firmado por aquelas entidades possa, automaticamente, repassar o direito da municipalidade reaver os valores requeridos”.
É também do STF posicionamento sobre o dever que o Poder Público tem de pagar pelos serviços que usufruiu, para impedir o enriquecimento ilícito da administração pública. A relatora do voto disse que “é fato que a municipalidade consumiu o serviço de fornecimento de energia elétrica prestado pela empresa e, por isso, todos os valores que foram pagos à Celg criaram a expectativa de que eram definitivos e corretos”, por isso, devem ser mantidos afim de “não caracterizar enriquecimento sem causa”, alegou.
Por fim, a desembargadora destacou que já havia se passado quase 15 anos sem que a administração pública municipal requeresse nenhuma revisão dos pagamentos realizados, abrindo processo somente em 2008, o que foge dos prazos quinquenal e decenal. Por isso, “não assiste ao município o direito de reaver as importâncias que foram pagas para saldar o débito que tinha com a empresa”, sentenciou no voto.
A ementa recebeu a seguinte redação: “Apelação Cível Em Ação De Cobrança. Convênio. Invalidade. Pagamento De Dívida De Consumo De Energia Elétrica Com A Cota Parte Do ICMS Dos Municípios. Impossibilidade De Repetição Desses Valores. Serviços Efetivamente Prestados. Energia Consumida. Princípios Da Segurança Jurídica E Da Boa Fé Objetiva. 1. Em que pese a invalidade do convênio, entabulado em 1993, entre a CELG, o Estado de Goiás, a Associação Goiana dos Municípios (AGM) e o Banco do Estado de Goiás (BEG), reconhecida pelo excelso Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº 396.989/GO, não enseja o direito do Município em reaver os valores pagos pelo consumo de energia elétrica, após mais de quinze anos do início da vigência do pacto. 2. O postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, impõe a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, especialmente quando amparadas pela boa fé do administrado, ainda que, na origem, apresentem vícios de ilegalidade, até porque a operação engendrada não causou prejuízo algum à municipalidade. 3. O comportamento reiterado da Administração Pública Municipal, empenhando as despesas de consumo de energia elétrica durante os sete anos de vigência do convênio, sem apresentar oposição de nulidade deste, ensejou, na empresa concessionária de energia elétrica, a legítima expectativa de que os pagamentos recebidos estavam em conformidade com a ordem jurídica, cuja confiança deve ser amparada. 4. Os princípios da segurança jurídica e da boa fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a Administração, após praticar atos em determinado sentido, que criaram uma aparência de estabilidade das relações jurídicas, venha adotar atos na direção contrária, com a vulneração de direito que, em razão da anterior conduta administrativa e do longo período de tempo transcorrido, já se acreditava incorporado ao patrimônio do administrado. 5. Se o Município continuou recebendo a prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica, sem se opor, não pode, agora, valer-se de disposição legal que prestigia a nulidade do convênio, para reaver os valores que pagou pela energia elétrica que efetivamente consumiu, porquanto constitui tentativa de se valer da própria torpeza, comportamento vedado por força do princípio da boa fé objetiva, a que se sujeita a Administração Pública. 6. Apelação Cível Conhecida, Mas Desprovida”. (Texto: Jovana Colombo – estagiária do Centro de Comunicação Social do TJGO)