A última sexta-feira (20) foi dedicada à discussão sobre violência sexual contra crianças e adolescentes, formas de abordagem com as vítimas de abuso e os aspectos e conceitos do depoimento especial. O evento foi realizado no auditório da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), no 2º Seminário Não Desvie o Olhar. Diga não à Exploração Sexual, em virtude do Dia Nacional de Enfrentamento à Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, comemorado no dia 18 de maio.
O seminário contou com a presença do corregedor-geral da Justiça de Goiás, desembargador Gilberto Marques Filho, que fez a abertura dos trabalhos com o procurador-geral de Justiça de Goiás, Lauro Machado Nogueira (foto abaixo). “Temos uma atenção especial e preocupação voltada à proteção da criança e do adolescente e essa atenção é tamanha, que faz parte das 21 metas da atual gestão de CGJGO, cuja meta 3, prioriza o julgamento de crimes de abusos sexuais praticados contra crianças e adolescentes”, pontua Marques Filho.
Para o procurador-geral de Justiça de Goiás, Lauro Machado Nogueira, o engajamento das instituições proporciona a efetividade das ações voltadas às vítimas de abuso sexual. “O abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes configuram-se como um desafio permanente para as instituições encarregadas das políticas de proteção à infância e juventude. Porque a efetividade de qualquer ação a ser deflagrada depende do engajamento e das integrações coletivas com um trabalho articulado e em rede, que permita enfrentar todas as nuances e peculiaridades relacionadas à temática”.
Durante a abertura foi lembrado que o dia 18 de maio, Dia Nacional de Enfrentamento a Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, é uma forma de lembrar a sociedade que é preciso combater a violência contra crianças e adolescentes. A data é em memória a Araceli Cabrera Sanches, uma menina de oito anos, que foi sequestrada no dia 18 de maio de 1973. Ela foi drogada, agredida fisicamente, violentada sexualmente e morta e os autores nunca punidos.
Segundo a juíza auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO), Maria Socorro Sousa Afonso Silva, em Goiânia foram identificados 215 processos relacionados a abusos sexuais contra crianças e adolescentes. “Esses processos são monitorados pela Corregedoria. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, a cada 100 mil processos em que consta abuso sexual, menos de 20% são levados ao conhecimento das autoridades. Podemos ver, a partir daí, a gravidade e a nossa obrigação em denunciar”, pontua a magistrada.
Segundo Maria Socorro, o TJGO está atento a essa forma de violência e transgressão de direitos dos menores e busca sensibilizar não só os operados do Direito, mas toda a rede de proteção para que casos como de Aracelly não aconteçam mais no País. “O artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe de uma forma muito clara que é dever de qualquer cidadão retirar a criança ou o adolescente de uma situação de constrangimento, de maus tratos, de situação vexatória ou de humilhação, ou seja, aquelas situações que lesam os direitos e garantias mais básicas dispostas na Constituição”, conclui.
A defensora pública, Michelle Bitta, afirmou que é preciso dirigir um olhar atento para a situação das crianças vítimas de violência sexual. Hoje, o Brasil ocupa o primeiro lugar da América do Sul e o segundo lugar no mundo no índice de abuso sexual contra a criança. “O silêncio característico deste delito demanda um sistema de proteção forte, capaz de identificar, prevenir e reprimir de forma efetiva o abuso sem que isso promova a revitimização da criança”, explicou.
Michelle Bitta esclarece que o reconhecimento e a participação da Defensoria Pública de Goiás dentro da Rede de proteção da Infância e Juventude tende a ampliar e fortalecer a Rede. “Diariamente, nós temos contato com as crianças que são vítimas do abuso sexual, que é um delito silencioso. Muitas vezes o abuso é descoberto em outros atendimentos à família”, pontua.
A presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Goiás, Bárbara Cruvinel, participou do evento e afirmou ser fundamental a divulgação do projeto. “A OAB tem o papel de protagonista junto à sociedade e dará o total apoio nesta causa”.
Cartilha técnica sobre abordagem
Durante o seminário, foi lançada a cartilha Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes: Reflexões e Abordagem (foto à esquerda), elaborada pela equipe técnica do Juizado da Infância e Juventude da comarca de Goiânia e do Ministério Público, com orientações técnicas que trazem conceitos e formas de abordagens mais assertivas com as vítimas de abuso sexual e é destinada àqueles profissionais que se envolvem com as etapas pós abuso, tais como promotores, magistrados, conselheiros tutelares, policiais, psicólogos, assistentes sociais, entre outros.
A cartilha foi apresentada pela psicóloga do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), Lia Mara Marques, e pela psicóloga do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Goiânia, Daniele Rodrigues Nascimento. “A cartilha traz algumas questões básicas sobre violência sexual, como a questão da exploração com o objetivo de ganho monetário. Detalha a situação de abuso como intrafamiliar e extrafamiliar e a desigualdade de conhecimento entre agressor e vítima. A abordagem requer dos profissionais que obtém uma escuta formal dessas vítimas, muita sensibilidade e delicadeza porque as vítimas estarão fragilizadas, envergonhadas e sensíveis. Além disso, a violência sexual tem um contexto cruel porque na maioria das vezes ela não deixa evidência física e o agressor não comete o ato perto de outras pessoas e isso recai sobre a vítima porque ela é a maior prova do que aconteceu”, pontua Lia.
A promotora de Justiça Karina D'Abruzzo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público de Goiás, vê o trabalho em rede como a melhor forma de fortalecimento. “O Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) junto com o Poder Judiciário, além dos componentes da rede de proteção da capital e do Estado, vem desempenhando trabalhos em parceria, na perspectiva de colocar a teoria em prática. Por isso, é necessário o trabalho em rede. Prova disso foi a entrega da cartilha elaborada por profissionais de extrema competência e qualidade”, pontuou Karina.
A cartilha, segundo o corregedor-geral, desembargador Gilberto Marques Filho, foi uma preocupação da Corregedoria na abordagem da criança e do adolescente vitimado por abuso sexual. “A cartilha mostra como deve ser a abordagem técnica, com um profissional e acompanhamento psicossocial, onde a criança poderá relatar o ocorrido sem se sentir mais vitimada. A Corregedoria é muito sensível e focada nessa temática, inclusive atuamos na comarca de Cavalcante, mais precisamente na comunidade Kalunga, em que houve casos de abusos sexuais. Realizamos uma Audiência Pública com a presença do vice-governador, José Eliton. A Corregedoria está em presença constante em Cavalcante inclusive na comunidade Kalunga”, pontua o magistrado.
Depoimento Especial, avaliação psicológica e debate
O depoimento especial foi tema da palestra da analista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e tutora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Marleci Venério Hoffmeister (foto à esquerda), que explanou sobre o depoimento especial de crianças e adolescentes em situação de abuso sexual.
A assistente social abordou conceitos e formas de como a criança e o adolescente devem ser abordados, como as perguntas devem ser feitas, além de quem deve ouvir e como deve ouvir. “ É um assunto delicado e nós profissionais devemos ficar atentos para não revitimizar a vítima, não sugestioná-la e é importante que se faça uma escuta mais cuidadosa. A criança ou o adolescente deve ser informado que ele está ali para uma audiência em que na sala do lado tem o juiz, o advogado e o promotor”.
Marleci ainda aponta fases que devem ser executadas com a vítima de abuso sexual. “Temos o protocolo cogintivo: primeiro temos a fase de conhecimento e interação com a vítima para que ela se sinta à vontade em relatar o que aconteceu novamente. Depois, temos o segundo momento, que é a audiência em si, e o terceiro, que é o encaminhamento. O depoimento especial não se resume ao depoimento em si”, pontuou a assistente social.
A parceria do Poder Judiciário e do Ministério Público do Estado de Goiás segue na implantação das salas de depoimentos especiais em todas as comarcas do Estado. “O próximo passo é para que a gente possa ter as salas de depoimento especial nos fóruns, não só na capital como também no interior. As equipes interprofissionais forenses devem ser capacitadas para prestar esse auxílio para a justiça. Temos o dever não só de acolher a vítima, mas também de responsabilizar o agressor. Temos de assegurar que toda criança e adolescente possa viver a vida cantando, sorrindo e sonhando”, afirmou a promota de Justiça, Karina D'Abruzzo.
O seminário contou com a palestra do psicólogo criminal da Polícia Técnico-Científica do Estado de Goiás, Leonardo Faria, que explanou sobre a perícia e avaliação psicológica em crianças e adolescentes vítimas de abuso. “Tenho mais de mil crianças avaliadas e o abuso não é algo novo”, pontua.
Participaram dos debates, a Vice-Presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Goiás (OAB-GO), Renata Vanzella Barbieri; a psicóloga da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Goiânia, Aliciana Oliveira de Freitas; a 1ª juíza auxiliar da CGJGO, Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva; o juiz da comarca de Jaraguá, Rinaldo Aparecido Barros; a promotora de justiça e coordenadora do CAO da Infância e Juventude do MPGO, Karina d’Abruzzo e a delegada da DPCA de Goiânia, Paula Meotti.
Workshop
Está sendo realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), por meio da Coordenadoria da Infância e Juventude, Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO), Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) e Polícia Civil do Estado de Goiás, workshop com o tema Crimes Sexuais contra Crianças e Adolescentes: Formas de Abordagem.
O primeiro encontro aconteceu na comarca de Caldas Novas, no dia 13 de maio. O próximo workshop será na comarca de Luziânia, no dia 24 de junho, e atenderá a 7º Região Judiciária que engloba as comarcas de Águas Lindas, Alexânia, Cidade Ocidental, Cristalina, Luziânia, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso.
“Estamos realizando um workshop em todo o Estado. O primeiro encontro aconteceu na comarca de Caldas Novas e está sendo como as Audiências Públicas, ou seja, regionalizadas. O workshop não envolve somente o magistrado, mas o Ministério Público e delegado. Enfim, todos que estão na rede de proteção da criança e do adolescente. O workshop é realizado por uma equipe interprofissional da CGJGO e do Ministério Público no sentido de orientar a abordagem e a oitiva das vítimas para que elas não fiquem mais vitimadas com essa abordagem”, finalizou corregedor-geral da Justiça de Goiás, desembargador Gilberto Marques Filho (foto à esquerda). (Texto: Jéssica Fernandes – da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás/ Fotos: Hernany César- do Centro de Comunicação Social do TJGO)