Em uma atitude conjunta de proteção e preocupação com as crianças e adolescentes no Estado, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), a Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO), a Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJGO e o Ministério Público de Goiás (MP-GO), por meio da Corregedoria-Geral e do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAO), lançaram o projeto “Hoje É Semente do Amanhã”, na última quarta-feira (11), data que antecedeu o Dia das Crianças. O evento foi fruto de um levantamento inédito realizado pela CGJGO em parceria com os MPS Estadual e do Trabalho, que constatou a falta de capacitação de 100% dos conselheiros tutelares goianos para o exercício da função.
Conselheiros tutelares de várias comarcas de Goiás lotaram o auditório do MP-GO, onde o evento foi realizado com o tema O Sistema de Garantias de Direitos: Reflexões sobre a Corresponsabilidade da Família, da Sociedade e do Estado. Representando o presidente do TJGO, desembargador Gilberto Marques Filho, a juíza Maria Cristina Costa, auxiliar da Presidência do TJGO, saudou os presentes e lembrou que ele é um profundo conhecedor dos problemas afetos à área da Infância e da Juventude, justamente por sua atuação nesta seara durante vários anos. “Estamos unidos nesse propósito e o próprio presidente do TJGO conhece de perto essa realidade pela atuação nessa área. Acredito que somente com esse esforço concentrado poderemos reverter essa grave situação e a presença maciça dos conselheiros tutelares para capacitação neste evento demonstra que o comportamento dos adultos no que tange às crianças e adolescentes pode ser modificado. Qualificar pessoas que exercem uma função tão delicada envolvendo a infância e juventude é investir no próprio futuro, na construção de um mundo melhor”, ressaltou.
Por sua vez, a juíza Sirlei Martins da Costa, auxiliar da Corregedoria, falou sobre a importância da preparação e da capacitação dos conselheiros tutelares para lidarem com as situações adversas e cotidianas relacionadas às crianças e aos adolescentes, que, na maioria das vezes, estão relacionadas a abusos sexuais e infrações. “Quem vivencia essa realidade precisa estar capacitado para exercer a função, pois os temas são difíceis e o dia a dia é desgastante. Por essa razão, desenvolvemos esse projeto, que será feito por etapas e irá preparar vocês para as questões mais práticas e de difícil solução. Com planejamento, união de esforços e dedicação alcançaremos os resultados esperados por toda a sociedade'”, pontuou.
Relembrando as dificuldades enfrentadas pelos Conselhos Tutelares em Goiás apontadas no relatório da Corregedoria, cujo trabalho levou mais de um ano para ser concretizado, a magistrada também chamou a atenção para a gravidade dos problemas estruturais físicos e financeiros dos Conselhos, além da falta de qualificação profissional. “Nossa equipe correicional percorreu 247 municípios de Goiás e nosso diagnóstico é alarmante. Comprovamos que um número expressivo de Conselhos Tutelares no Estado não tem as condições mínimas de funcionamento, pois estão instalados em prédios das prefeituras, não tem salas próprias para ouvir os depoimentos dessas crianças e adolescentes garantindo o sigilo, não possuem equipes de auxílio como psicólogos e assistentes sociais, nem mesmo carro próprio para conduzir os jovens. No entanto, estamos aqui para que juntos possamos encontrar alternativas viáveis que possam dar uma resolução efetiva para os problemas. Decidimos, então, começar pela capacitação de cada um de vocês, que deve e necessita ser contínua”, enfatizou.
Responsável pela elaboração do conteúdo programático para a capacitação dos conselheiros tulelares, a juíza Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva, diretora do Foro de Goiânia e coordenadora geral da Infância e Juventude do TJGO, que também tem larga experiência nessa área, falou sobre o fortalecimento da rede de proteção à criança e ao adolescente e explicou que os encontros de um dia serão pontuais, divididos em duas partes nos períodos das manhã e da tarde (Estatuto da Criança e do Adolescente e casos práticos), cujos conteúdos serão voltados para a prática dos conselheiros. Ela afirmou que essa é uma oportunidade também de reflexão, para que cada grupo expresse suas opiniões e partilhe casos concretos. “Esse encontro é o início do aperfeiçoamento. Em primeiro lugar, precisamos que todos aqueles que trabalham com nossas crianças e adolescentes estejam bem, inclusive emocionalmente. Adotaremos a pedagogia da leveza, mas de profundidade dos temas abordados. Estou convicta de que sairemos daqui mais enriquecidos e confortados por constatar que as dificuldades são semelhantes e a solução é compartilhada”, acentuou.
Sinergia e quebra do silêncio
Expressando sensibilidade às questões que afetam as crianças e adolescentes, o procurador-geral de Justiça, Benedito Torres Neto, agradeceu a sinergia de todos os envolvidos nessa rede e realçou que é preciso “quebrar o silêncio” referente ao abuso sexual de milhares de crianças e adolescentes que são vitimizados todos os dias e assegurando-lhes a proteção integral e devida, garantidas inclusive constitucionalmente. “Não podemos deixar nossas crianças serem mal atendidas e por esse motivo estamos realizando essa capacitação e preparando esses profissionais para atender os interesses desses jovens que precisam de acolhimento. A palavra-chave, sem dúvida, é proteção”, avaliou.
Ao representar a Corregedoria-Geral do MP-GO, o promotor-corregedor Heráclito d' Abadia comentou que a capacitação dos conselheiros tutelares é uma conquista de toda a sociedade, que só poderá ter uma nova nuance com o apoio de todos que atuam com a rede de proteção das crianças e dos adolescentes. “Só conseguiremos realmente colocar na prática e cumprir o que prega o ECA se dermos as mãos em prol das crianças e dos adolescentes”, evidenciou.
Campanha
Na ocasião, foi lançada ainda pelo promotor de justiça Publius Lentulus Alves da Rocha, coordenador do CAO da Infância e Juventude do MP-GO, a Campanha Aprenda a Escutar, cuja finalidade é prevenir os abusos e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Além dos conselheiros tutelares, o evento esteve direcionado aos Conselhos de Direitos Municipal e Estadual de Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis, Ministério Público, magistrados e técnicos dos Juizados da Infância e da Juventude, defensores públicos, integrantes das Comissões de Direitos da Criança e do Adolescente Municipal e Estadual, bem como de integrantes da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara Municipal de Goiânia, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás e Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás.
Em breves palavras, o representante da Assembleia Legislativa de Goiás, deputado Carlos Antônio, presidente da Comissão da Criança e do Adolescente, assegurou que o Poder Legislativo está comprometido a contribuir com os atores do Poder judiciário e do MP-GO na proposta de capacitação dos conselheiros tutelares.
Os presentes
Compuseram a mesa além das juízas Sirlei Martins da Costa, Maria Cristina Costa, Maria Socorro Afonso Silva, do procurador-geral de Justiça, Benedito Torres, do promotor Publius Lentulus, do promotor-corregedor Heráclito d' Abadia, e do deputado Carlos Antônio, Sudênio Berto de Souza, o presidente da Associação dos Conselhos Tutelares, Tiago Gregório Fernandes, representando a Defensoria Pública de Goiás, e Rosana Santos, representando o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Goiânia. Também estiveram presentes ao evento os juízes Carlos José Limongi Sterse, do Juizado da Infância e da Juventude de Anápolis, e o promotor José Augusto Figueiredo Falcão.
Sobre o diagnóstico que relata a situação dos Conselhos Tutelares de Goiás
O levantamento feito pela equipe correicional da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO) sobre a situação dos Conselhos Tutelares do Estado de Goiás foi concluído nesta gestão, que tem à frente o desembargador Walter Carlos Lemes, e levou mais de um ano para ser concretizado. Os integrantes da CGJGO chegaram a percorrer cinco cidades em um dia. No total, foram visitados 247 municípios do Estado, todas comarcas do Poder Judiciário e seus respectivos distritos judiciários. Em uma espécie de raio x, o diagnóstico demonstrou que 100% dos conselheiros eleitos pela comunidade não recebem qualificação para o exercício da função. Apenas 38% deles têm formação continuada e, embora exista um número elevado de ocorrências de trabalho infantil, que atinge o percentual de 63%, o estudo aponta que 56% dos profissionais que atuam nos Conselhos também não têm capacitação específica nas questões relacionadas ao combate do trabalho infantil.
Outro dado alarmante diz respeito a precariedade das estruturas física e humana dos conselhos, uma vez que, conforme demonstra a pesquisa, 71% não têm sede própria, 65% não têm cômodo reservado para o atendimento em razão de espaço físico inadequado e 61% não têm acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência. Mais de 40% dos Conselhos só dispõem de um computador para a realização do trabalho cotidiano e apenas 37% contam com um notebook. Equipamentos indispensáveis para a execução do serviço como impressoras multifuncionais, além de bebedouro e refrigerador são cedidos pelo SDH e 44% dos Conselhos não tem relatório estatístico.
Em 87% dos casos, segundo revela o levantamento, o Conselho Tutelar é acionado para acompanhar o transporte de adolescentes infratores, mas 56% os profissionais utilizam carro próprio no cumprimento desse dever. A maioria expressiva, mais de 50%, não tem motorista e 83% não possui veículo oficial. Somente 50 unidades têm grades, cinco são dotadas de câmera de segurança e duas contam com cerca elétrica, apesar de um grande número de Conselhos estarem equipados com arquivos (124).
Em algumas localidades, os conselheiros não têm celular para o plantão com chamadas de urgência e usam o particular, conforme consta das observações complementares inseridas no relatório apresentado pela CGJGO. O diagnóstico feito pela CGJGO mostra ainda que os prédios onde funcionam os Conselhos Tutelares geralmente são das prefeituras locais e os móveis estão em péssimas condições, as salas de atendimento não têm privacidade, o espaço é inadequado e sem privacidade e em muitos locais não há ventilação, nem luz. Faltam também funcionários para prestar serviços básicos de atendimento, de secretaria e zeladoria e até de limpeza.
Alguns exemplos da gravidade do problema estrutural que atinge os Conselhos Tutelares nos municípios goianos estão expostos no relatório que pode ser acessado na íntegra pelo link. (Texto: Myrelle Motta- assessoria de imprensa da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás/Fotos: Acaray Martins - Centro de Comunicação Social do TJGO)