Ele ainda nem sabe falar, mas sua expressão aliada ao sorriso aberto e aos olhinhos brilhantes e atentos dizem tudo. Com apenas quatro meses de vida, o bebê *Miguel se encantou pelo pai ao sentir todo o carinho e o laço indissolúvel que só existe entre pais e filhos quando o preso *Samuel o pegou no colo pela primeira vez. O episódio emocionante não faz parte de nenhum folhetim e aconteceu na vida real durante audiência promovida pelo Programa Pai Presente nesta segunda-feira (19) com 18 presos para reconhecimento voluntário de paternidade. Executado pela Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO), essa foi a primeira audiência deste ano realizada com presidiários, no Auditório do Fórum Cível de Goiânia.
Extremamente feliz com o primeiro encontro propiciado entre pai e filho, agora literalmente oficializado no termo de reconhecimento espontâneo de paternidade, a jovem mãe do bebê de quatro meses, que sonha em cursar Direito um dia, conta que descobriu a gravidez quando o companheiro já estava preso. Juntos há 10 anos, ela se comove quando fala da vontade do companheiro de conhecer o filho, que não podia entrar no presídio sem que o nome do pai constasse na certidão de nascimento. No entanto, a partir de agora, tudo mudará, pois com o termo em mãos, ela poderá levar o bebê para visitar o pai até que a certidão definitiva fique pronta em aproximadamente três semanas.
“Eu sempre fui visitá-lo desde que foi preso e ele ficou muito triste quando dei à luz porque não teve como estar com comigo e com o filho, nem mesmo ver o rostinho dele. No presídio, não aceitavam que eu entrasse com a criança sem o registro oficial do pai na certidão de nascimento. Hoje, fomos tomados por um misto de emoções que vão desde ansiedade à euforia. Aconselho todas as mulheres de presos a se inscreverem nesse programa tão humano, que finalmente realizou nosso grande sonho e ajudou a estreitar a relação entre pai e filho. Falta só um mês para ele sair da prisão e sei que agora ele tem um motivo forte, concreto”, emociona-se.
Presidindo pela primeira vez uma audiência do Pai Presente, o juiz designado para assumir o projeto em Goiânia, Wilson Ferreira Ribeiro (foto à esquerda), observou que o programa é uma forma de resgatar a dignidade desses presos e de seus filhos e lembrou que assim que o reconhecimento é realizado coma entrega do termo à mãe da criança fica autorizada a entrada das crianças no presídio. Ele comentou ainda sobre o aspecto social do Pai Presente que disponibiliza cerca de mil exames de DNA por ano. “Dignidade é uma palavra-chave que representa esse programa. Filhos que crescem sem a presença do pai e que tem negado o direito de ter o seu nome na certidão de nascimento são discriminados e apresentam inúmeros problemas. Com o Pai Presente, as partes ainda ganham tempo e evitam o desgaste emocional que envolve o reconhecimento judicial. Por outro lado, para o preso, isso traz um novo estímulo à inserção social, um senso de responsabilidade diferenciado que vai desde a obrigação com alimentos ao desejo de conviver com o filho no dia a dia. Para que uma criança se torne um adulto saudável é importante a participação efetiva do pai e da mãe na sua vida”, acentuou.
Para *Júlia, que tem uma filha de 16 anos, fruto do relacionamento com o marido, a sensação pelo reconhecimento oficial da paternidade é indescritível também para a mãe que sonha em ver os filhos felizes de forma plena. Ela relata que o próprio companheiro não tem o nome do pai no registro de nascimento e que, por essa razão, sofreu preconceito a vida toda. “Só você, como mãe, sabe o que seu filho sente. Sei que a partir de agora minha filha não será mais vista como qualquer uma na rua, aquela que não tem pai no RG. Isso não tem preço. Já o pai da minha filha não é um homem ruim, pelo contrário. Foi muito castigado pela vida e cometeu esse crime talvez até pela ausência paterna. Pode parecer simples não ter o nome do pai na certidão de nascimento, mais é o contrário. Eu sei que o pai da minha filha sempre se preocupou com ela nesse sentido e nunca quis que ela vivesse o que ele viveu. Graças a Deus e ao Pai Presente, nossa filha hoje traz no rosto a alegria no lugar daquela tristeza que tinha no fundo dos olhos”, comove-se.
Semelhança e estímulo à inserção social
“Nossa, ela é a minha cara! Me sinto muito feliz, esse sentimento não tem como descrever com palavras, fica visível nos olhos, no gesto, no tremor das mãos. Olha só, estou tremendo. É minha filha mais nova que hoje deu sentido à minha vida quando nada mais importava. Agora quero outra chance, a oportunidade de recomeçar minha trajetória ao lado da minha família”, comemorou outro preso ao reconhecer a filha de 12 anos, destacando a enorme semelhança física que existe entre eles. “Sou um homem realizado. Sem mais palavras”, ressaltou, com os olhos marejados de lágrimas.
Na opinião da gerente administrativa do Pai Presente, Maria Madalena de Sousa, que está a frente do programa desde o início, a iniciativa é de suma importância tanto para o pai que está preso quanto para o filho, uma vez que ambos necessitam da convivência, trazendo paz e aconchego ao encarcerado que almejará o cumprimento mais rápido da pena. “Quando o reeducando sente o apoio familiar, isso traz tranquilidade e segurança para que ele possa cumprir o período recolhido sabendo que tem alguém aqui fora esperando por ele”, frisou. Instalado em 100% das comarcas goianas, o Pai Presente foi regulamentado pelos Provimentos nº 12 e 16, de 6 de agosto de 2010 e 17 de fevereiro de 2012, da Corregedoria Nacional de Justiça.
No Estado de Goiás, desde que foi implementado, em abril de 2012, o Pai Presente já concretizou mais de 10 mil reconhecimentos paternos, e está a cargo da juíza Sirlei Martins da Costa, auxiliar da Corregedoria. Somente em Goiânia, são realizados de 400 a 500 procedimentos por ano. As estatísticas são divulgadas a cada quadrimestre. O reconhecimento pode ser feito por iniciativa da mãe, indicando o suposto pai, ou pelo próprio comparecimento dele de forma espontânea. Assim, é redigido um Termo de Reconhecimento Espontâneo de Paternidade que possibilitará a realização de um novo registro, constando a filiação completa.
Dessa forma, o Pai Presente se propõe não somente identificar o pai no registro de nascimento, mas reconhecê-lo como participante afetivo na vida do filho, contribuindo para o desenvolvimento psicológico e social dos filhos e fortalecendo os vínculos parentais. O programa funciona no térreo do Fórum Heitor Moraes Fleury (prédio central), na sala 180, no Setor Oeste. Os atendimentos são feitos continuamente de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas. Os interessados podem entrar em contato também pelos telefones (62) 3216-4117 ou 9914-5237 ou pelo e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. *Os nomes foram trocados para preservar a identidade das partes envolvidas em razão do sigilo. Veja Galeria (Texto: Myrelle Motta - assessora de imprensa da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás/Fotos: Acaray M. Silva - Centro de Comunicação Social do TJGO)