A juíza da Vara de Família e Sucessões da comarca de Rio Verde, Coraci Pereira da Silva (foto abaixo), reconheceu a união estável homoafetiva post mortem entre dois homens, em face do pedido de um deles.
O casal se conhecia há sete anos e vivia na mesma casa, “cuidando e se dedicando um ao outro” até a morte de um deles, em dezembro de 2013. Na ocasião, o autor do pedido não constou como seu companheiro, figurando no documento apenas a mãe de um deles.
Na decisão, a magistrada rememorou que as relações atualmente definidas como homoafetivas eram comuns na antiguidade, inclusive na Grécia e em Roma. Entretanto, ideias homofóbicas passaram a existir no início da era cristã, positivadas pelas leis justinianas. Essas ideias, no entanto, fazem com que homossexuais sejam levados a se retrair e esconder sua verdadeira sexualidade, o que vai de encontro com o inciso IV do artigo 3º da Constituição Federal de 1988, que declara ser um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Quanto à questão em debate, a legislação brasileira não possui um posicionamento específico, uma vez que não proíbe nem regulamenta esse tipo de união. Coraci afirmou que, frente a essa lacuna, cabe aos julgadores a interpretação das normas já positivadas para a decisão.
Nesse sentido, a juíza observou que, apesar do artigo 1723 do Código Civil reconhecer como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 4277 e ADPF 132, com relatoria do ministro Ayres Britto, “reconheceu como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidos os mesmos requisitos exigidos para o reconhecimento da união estável entre homem e mulher, além de haver proclamado que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis heteroafetivas estendem-se aos companheiros nas uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo (informativo n° 625 do STF)”.
Ao analisar se no caso concreto haveriam os requisitos necessários – vida em comum, de more uxório (de costume do matrimônio. Concubinato em que os concubinos convivem como se casados fossem), não necessariamente sob o mesmo teto, mas com sinais claros de que o relacionamento é uma família onde seus companheiros se amam – a magistrada foi categórica: “No caso dos autos, sobejam elementos que demonstram a existência da união estável entre as partes, os quais ficaram evidentes na audiência instrutória, oportunidade em que foram ouvidas testemunhas e informantes a fim de instruir o presente feito.”
O autor da ação também pugnou pela retificação da certidão de óbito do companheiro, de modo que seu nome passasse a constar no documento, entretanto, o pedido não foi atendido uma vez que esse tipo de procedimento não é de competência da Vara em questão: “Outrossim, aclaro que além da Vara de Família e Sucessões não ser competente para julgar o caso, o autor também não possui legitimidade para postular a retificação em nome de terceiros, como no caso em análise quem possui legitimidade para tal ato é a *Maria (nome fictício) ”. (Texto: Érica Reis Jeffery – estagiária do Centro de Comunicação Social do TJGO)