A violência contra a mulher é produto de uma sociedade machista e, para mudar esse quadro, que coloca o Brasil no 5º lugar no ranking mundial de feminicídios – conforme dados da Organização das Nações Unidas (ONU) - , é preciso ir além da aplicação de legislação penal. Dessa forma, chega à comarca de Rio Verde o Projeto Grupos Reflexivos, que promove palestras e acompanhamento psicológico aos agressores incursos na Lei Maria da Penha, com participação obrigatória, imposta em decisão judicial. O lançamento foi realizado nesta quinta-feira (23), durante cerimônia na Universidade de Rio Verde (UniRV), um dos parceiros da iniciativa.
“Percebo que, em vários casos, o homem agride a mulher agindo para 'colocá-la em seu lugar'. Por meio dos encontros, conversas e palestras, ele vai ter ciência de que essa conduta é inaceitável, além de proibida por lei. É muito importante conversar com esse agressor e mostrar que isso não é normal”, observa a desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis (foto à esquerda), presidente da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar e Execução Penal do Estado de Goiás.
No Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Rio Verde, tramitam 2.270 processos físicos e 1.100 digitalizados. Os acusados dos casos mais graves e de recindência serão encaminhados compulsoriamente, conforme explica o titular da unidade, juiz Vítor Umbelino Soares Júnior. “Logo no início do processo, junto às medidas protetivas previstas na lei, será imposta a participação dos agressores nessas reuniões. Dessa forma, poderemos acompanhá-los durante o decorrer do trâmite”.
Segundo o magistrado pondera, a cidade, de cerca de 200 mil habitantes, tem incidência alta nos casos de agressões e ameaças, motivados por gênero, bem como o restante do Estado. Conforme pessquisa realizada pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, em 2015, Goiás figura no 3º lugar nacional entre os Estados mais violentos para a mulher.
“O trabalho processual é feito diariamente, é nossa obrigação principal, como titular do Juizado. Só que apenas isso não basta: temos de fazer algo mais. Buscar medidas alternativas que proporcionem reflexão sobre a própria conduta que é criminosa, e desrespeitosa para com a mulher”, frisa Vítor Umbelino.
Com os grupos reflexivos, os agressores serão, a priori, ouvidos individualmente para, em seguida, serem divididos em grupos de três a oito. O trabalho será realizado por alunos e docentes dos cursos de Direito e Psicologia da UniRV, conforme explica a professora Hinayana Leão Motta Gomes. “Serão apresentados materiais e feito o acompanhamento, com conversas, a fim de passar maneiras assertivas para lidar com conflitos familiares. Muitos, também, fazem uso de álcool e outras drogas, que servem de gatilho para perda do autocontrole”.
A iniciativa começou em Goiânia, idealizada pelo juiz do 2º Juizado da Violência Doméstica Familiar contra a Mulher, William Costa Mello, com parceria do Poder Judiciário com a Pontifícia Universidade Católica (PUC-GO), Conselho da Comunidade na Execução Penal de Aparecida de Goiânia e integrantes da Superintendência Estadual Executiva da Mulher e da Igualdade Racial. Além de Rio Verde, a comarca de Alexânia também aderiu ao projeto, com previsão de início para o dia 5 do próximo mês.
Feminismo
Durante a solenidade de lançamento, o juiz Vítor Umbelino (foto à direita) discursou sobre a necessidade de se combater o machismo na sociedade. “O local mais inseguro para uma mulher é na sua própria casa, onde há mais chances de ocorrer violência do que num espaço público. Sou um juiz feminista, que acredita na isonomia de gênero e na igualdade de homens e mulheres. Ambos merecem segurança e respeito”.
Na ocasião, foram apresentadas palestras acerca da temática, ministradas pela secretária superintendente executiva da Mulher e Igualdade Racial do Estado de Goiás, Gláucia Maria Teodoro Reis, e pela presidente da Comissão da Mulher Advogada (CMA) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Goiás (OAB-GO), Manoela Gonçalves Silva.
“É preciso assumir nossa condição de feminista. Feminismo não é o oposto de machismo. O feminismo liberta e defende o tratamento igualitário, enquanto o machismo oprime e coloca o homem em primeiro lugar”, anunciou Gláucia Maria.
Para a superintendente, é necessário lutar contra a educação sexista, que relega as tarefas domésticas apenas à mulher. “Há um elevado grau de machismo introjetado em nossa sociedade. É preciso criar meninos e meninas de forma igualitária”.
Conforme estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no País; a cada dois minutos, ocorrem cinco espancamentos e, a cada 90 minutos, há um feminicídio. “É preciso procurar entender as raízes e enfrentar esse problema”, ponderou. (Texto: Lilian Cury/ Fotos: Wagner Soares - Centro de Comunicação Social do TJGO)