De acordo com o artigo 220 da Constituição Federal, “as pessoas que são impossibilitadas de comparecer para depor serão inquiridas onde estiverem”. Foi isso o que aconteceu com J.P.S.. Impossibilitado de ir ao fórum devido ao tiro que o fez ficar tetraplégico, ele, que é réu em um outro processo, foi ouvido em casa pela juíza Alice Teles (foto).

Uma estrutura foi montada e a sala de TV virou sala de audiência. Juíza, promotora, defensora pública e equipe de apoio se deslocaram do fórum até a casa de J., localizada no Parque Estrela Dalva 2, em Luziânia. Além disso, a Polícia Militar fez a escolta até o local. “O interrogatório é um ato imprescindível na ação penal, pois é a oportunidade do réu apresentar sua versão dos fatos. Assim é seu direito ser ouvido pelo juiz e cabe ao magistrado dar-lhe condições para ser ouvido, por isso surgiu a ideia de ir a sua casa”, ressaltou a juíza.

De acordo com Alice Teles, J. responde a dois processos criminais: um por roubo e outro por violência doméstica contra a ex-mulher. As duas ações penais estavam na mesma fase, razão pela qual o interrogatório foi realizado no mesmo dia. Ainda de acordo com ela, os processos estão agora na fase de apresentação de memoriais e nos próximos dias será proferida a sentença.

De poucas palavras, J.P.S agradeceu a inciativa da juíza e disse que se a audiência não tivesse sido realizada na casa dele, ele não iria ao fórum. “É muito difícil para mim e sei também de que deve ser difícil para eles virem até aqui, mas se eles não tivessem vindo, essa audiência nunca teria acontecido", desabafou. “Quando fiquei sabendo que eles viriam eu não acreditei”, complementou. Ao ser questionado sobre as expectativas de vida daqui para frente, uma vez que terá a resposta dos seus processos, ele é enfático. “Minha vida acabou depois que fiquei nessa cama. Não quero nada e não tenho planos”, disse.

A mãe dele, que também preferiu não ser identificada, disse que o filho sofre de depressão. “Ele não quer fazer nada. Fica o dia todo deitado nessa cama e reclamando. É muito novo para passar o que está passando. Tinha uma vida inteira pela frente”, contou, ao dizer que o réu tem duas filhas adolescentes e que a mulher o deixou depois que foi baleado.


Iniciativa

Na magistratura há 23 anos, sendo 20 anos na Vara Criminal de Luziânia, com quase 6 mil processos (crimes em geral), a juíza avaliou a iniciativa como positiva. Segundo ela, a experiência é diferente das audiências realizadas no prédio do fórum, em salas apropriadas, com conforto e estrutura. “Sair do local de trabalho já é bastante desafiador, mas estar no ambiente do réu nos permite conhecer um outro lado que não é revelado nas audiências realizadas no fórum. Por outro lado, teve ainda a questão em que o réu se encontra e de como a audiência também o atingiu”, enfatizou.

Luziânia possui alto índice de criminalidade e é a 17ª cidade do País em homicídios contra jovens. “O ato foi cumprido e foi possível dar prosseguimento ao feito. O magistrado vem adotando uma nova forma de pensar e de agir, entendendo o seu papel de agente transformador, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária. O que se vê hoje, sem dúvida, é um Poder Judiciário mais próximo da sociedade e isso também se torna um desafio para nós”, destacou.

Há dez anos na comarca, a promotora de Justiça Marina Mello de Lima Almeida afirmou que foi a primeira vez que participou desse tipo de iniciativa que, segundo ela, é de extrema importância e significado para o réu. “Apesar de J.P.S estar impossibilitado de comparecer ao fórum para a audiência, deve ser garantido a ele o direito de apresentar sua versão sobre os fatos contra si imputados. Tal iniciativa deve ser replicada, reconhecendo o Poder Judiciário que em algumas vezes, o acesso à justiça, deve partir dele próprio”, frisou, ao lembrar que no caso a iniciativa foi da juíza. (Texto: Arianne Lopes / Fotos: Aline caetano – Centro de Comunicação Social do TJGO)

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