A juíza Coraci Pereira da Silva, da Vara de Família e Sucessões da comarca de Rio Verde, julgou extinta, com resolução de mérito, ação que pedia interdição do pai de 85 anos, diagnosticado com a doença de Alzheimer. No entanto, a magistrada acolheu parcialmente seu pleito para nomeá-la como curadora de seu pai.
Assim, ela poderá representá-lo nos atos que importem na administração de bens e valores, celebração de contratos e outros que exijam maior capacidade intelectual, além dos atos previstos no artigo 1.782, do Código Civil, que é emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado e atos que não sejam de mera administração.
Na audiência, o interditando foi entrevistado pela juíza, ocasião em que foi retificado o pedido inicial, no sentido de que fosse reconhecida a interdição parcial e não total. O Ministério Público emitiu parecer, concordando com a retificação da autora, pugnando pela interdição parcial do requerido, com a consequente nomeação da filha para exercer a curatela.
No entanto, ao analisar o caso, Coraci da Silva (foto) aplicou o Estudo da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/2015, que retira a pessoa com deficiência da categoria de incapaz, ou seja, a pessoa com deficiência não deve ser mais tecnicamente incapaz, na medida em que a deficiência não afeta a plena capacidade.
Ela lembrou que até a aprovação da referida lei, tinha como causa determinante de interdição, a pessoa ser acometida de moléstia mental ou psiquiátrica, e, em consequência, eram vistas como incapazes, portanto, impossibilitada ou inabilitada, por completo, para gerir os próprios bens e praticar os demais atos da vida civil.
Segundo a juíza, durante o curso do processo foram produzidas provas suficientes de que o interditando é necessitado da ajuda de terceiros para praticar as atividades da vida civil. Porém, extrai-se da entrevista realizada em juízo, no dia 2 de março de 2016, que ele respondeu de forma a demonstrar compreensão e consciência da realidade do mundo em que vive, deixando claro que possui discernimento quanto a sua orientação no tempo e no espaço.
“O interditando está lúcido, demonstrando-se orientado no tempo e no espaço, com delimitação na sua capacidade de memorização, decorrente do Alzheimer, enfermidade que o próprio interditando tem conhecimento, pois se justificou ao argumentar o motivo de não se recordar para responder o que lhe foi questionado quanto ao tempo e nome de autoridades políticas da nossa região. Porém, demonstrou noções de conhecimentos gerais ao responder com precisão o valor do salário-mínimo, o qual foi recentemente atualizado”, ressaltou.
Para Coraci da Silva os elementos demonstraram que é inegável reconhecer que o interditando necessita de adequada curatela para manutenção de seu bem-estar e gerir seu patrimônio, pois ainda não foi descoberto tratamento para a cura do Alzheimer, portanto, a tendência dele é necessitar de apoio nesta fase da vida. Mas, ao fazer uma análise da questão quanto à inspeção judicial realizada durante a entrevista ao interditando e o conteúdo do laudo médico, a juíza constatou que ele não pode ser considerado incapaz, pois demonstrou possuir noção da realidade e capacidade para certos atos que não envolvam raciocínio lógico e cálculo de grande complexidade.
Porém, ela frisou que o Estatuto da Pessoa com Deficiência é expresso ao afirmar que a curatela é extraordinária e restrita a atos de conteúdo patrimonial ou econômico, desaparecendo assim, a figura de interdição completa e do curador com poderes ilimitados. Sendo assim, a juíza salientou que o procedimento da curatela continuará existindo, ainda que em nova perspectiva.
“Portanto, podemos observar que com a Lei nº13.146/2015, pessoas com deficiência mental ou intelectual deixaram de ser consideradas absolutamente incapazes. Todavia, em situações excepcionais, a pessoa com deficiência mental ou intelectual poderá ser submetida a curatela, no seu interesse exclusivo e não de parentes ou terceiros. Essa curatela, ao contrário da interdição total anterior, deve ser, de acordo com o artigo 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, proporcional às necessidades e circunstâncias de cada caso. Tem natureza, portanto, de medida protetiva e não de interdição de exercício de direitos”, justificou.
Coraci da Silva enfatizou que com esta nova mentalidade, a Lei veio efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana, “direcionando o olhar para o ser com limitação para seus negócios, de forma a visualizá-lo como sujeito de direitos, e não como objeto caracterizado como incapaz, termo este de cunho pejorativo que pode ser definido como: impossibilitado, inapto, inepto, inábil. Atributos estes que dirigidos a uma pessoa, com o mínimo de discernimento, poderá ferir seu caráter, honra e afetar, negativamente, sua personalidade e autoestima”, pontuou. (Texto: Arianne Lopes – Centro de Comunicação Social do TJGO)