“Uma hora a gente está bem, noutra, tudo vira de cabeça para baixo. Por isso, penso no que posso deixar para meus filhos se algo acontecer comigo”, diz Rosiclea Serafim dos Reis, de 30 anos. A sensação da falta de controle sobre a própria vida foi motivada por um acidente de trânsito, ocorrido em julho de 2014, que alterou por completo a rotina da jovem. Ela estava numa motocicleta, junto com a mãe, e foi atingida por um carro em alta velocidade. Na direção desse outro veículo, um motorista alcoolizado. Como sequela, Rose, como é chamada pelos amigos e familiares, perdeu a perna esquerda.
Durante o Justiça Ativa realizado em Campos Belos entre os dias 7 e 10 de junho, Rose e sua mãe foram intimadas a prestar depoimento no processo penal do réu, acusado de embriaguez ao volante. Contudo, a juíza Raquel da Rocha Lemos e o promotor de Justiça, Douglas Chegury, resolveram propor a transação penal: em vez de responder criminalmente, o acusado terá de pagar indenização por danos morais para Rose e sua mãe, Vera Lúcia, que teve deslocamento de bacia, provocado pela colisão. Cada uma receberá R$ 4,5 mil.
O valor de Rose será pago em material de construção. Ela está terminando de construir sua primeira casa própria, com mutirões de vizinhos e amigos. No local, ela vai morar com Micaellen e Carlos Eduardo, seus filhos de 7 e 12 anos, respectivamente. Na frente do imóvel, planeja começar um pequeno negócio para venda de bolos caseiros, para complementar sua renda, proveniente hoje, apenas, do auxílio recebido do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Ao finalizar a casa, Rose acredita que terá segurança. “Imagino se algo acontece comigo de novo? Pelo menos, meus filhos terão um teto”, relata. “Por isso, achei bom receber a indenização. Não desejava que o motorista que provocou o acidente fosse para a cadeia. É melhor ele me ajudar”, conta.
A nova residência será totalmente adaptada: portas largas, corredores espaçosos, banheiro com barras de apoio e rampas, entre outras medidas, vão facilitar a locomoção da jovem. Por conta da altura da amputação, Rose não pode usar prótese e necessita de cadeira de rodas em tempo integral.
Transação Penal
A conduta do réu causador do acidente foi enquadrada em lesão corporal culposa, cuja pena não ultrapassa um ano de reclusão, conforme prevê o Código Penal. Como o acusado não tem antecedentes criminais, foi feita a proposta de suspensão do processo pelo prazo de dois anos: além de pagar a indenização, ele não poderá fazer uso de bebida alcoólica durante o período, se ausentar da comarca por mais de 30 dias, comparecer mensalmente em juízo, entre outras medidas restritivas de direito.
Segundo explica a juíza Raquel Rocha Lemos – titular da comarca de Ivolândia, designada especialmente para atuar no Justiça Ativa em Campos Belos – a prestação pecuniária, prevista para esses tipos de delitos, é destinada a entidades sociais cadastradas em juízo. “Contudo, durante audiência, verificamos a necessidade premente de Rose e de Vera Lúcia. Acreditamos, por bem, que, diante da realidade das vítimas, o réu poderá contribuir para ajudá-las. Dessa forma, com aplicação da lei, há a punição e a ajuda imediata das partes”, explicou a magistrada.
A solução foi acordada com o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), representado pelo promotor de Justiça Douglas Chegury. Em sua opinião, o processo fugiu do costumeiro: geralmente, o foco é a instrução criminal e eventual condenação com imposição de uma pena privativa de liberdade ou restritiva de direito.
“Por mais que o legislador, nas últimas reformas, tenha tentado resgatar a vítima no processo penal, lamentavelmente, ela continua a ser tratada como coadjuvante. É preciso lembrar que a busca pela paz social, pretendida e tão perseguida pelo direito penal, passa, também, necessariamente, pelo atendimento das expectativas da própria vítima”. (Texto: Lilian Cury – Centro de Comunicação Social do TJGO)