Paula Pereira Dias (foto) é moradora da região Terra Vermelha, uma das porções de mais difícil acesso na comunidade Kalunga Vão das Almas. A caçula dos seus 11 filhos, Maria Antônia, de 6 anos, ainda não tinha nenhum documento civil. Nesta terça-feira (29), em audiência realizada em Cavalcante, durante o Justiça Ativa, o juiz Luiz Antônio Afonso Júnior determinou a lavratura do registro civil da menor, mediante pedido da mãe.
Para chegar ao fórum, Paula precisou andar oito quilômetros a pé até o núcleo Kalunga de Vargem Grande, de onde conseguiu carona para, então, percorrer com carro mais 80 quilômetros até Cavalcante. O local onde mora é cercado por serras e três rios, a travessia é feita, em parte por caminhada e por meio de canoas. Como novembro é temporada de chuva forte, a criança foi poupada da viagem e ficou em casa, sendo representada na audiência pela genitora.
Para corroborar as alegações de Paula, Wanderléia dos Santos Rosa compareceu à oitiva, na condição de testemunha. “A distância dificulta, inclusive, que a família de Paula participe de mutirões específicos realizados para a comunidade Kalunga, promovidos em núcleos e vilas mais próximos das cidades”, explica a amiga, que é moradora de Vargem Grande.
Aos 49 anos, Paula conta que se casou aos 21 anos com Pedro da Costa, e estão juntos até então. Os demais filhos têm a mesma paternidade – todos já registrados. “Alguns já se espalharam pelo mundo. Outros moram comigo ainda. A mais velha tem 27 anos, estou na casa dela agora”, conta a senhora, em menção à hospedagem, em Cavalcante, cedida pela primogênita.
Na Terra Vermelha, não há energia elétrica e telefone. Cerca de 200 pessoas vivem na comunidade, que produz arroz, feijão e milho. No local, há uma escola, a qual Maria Antônia já frequenta – mesmo que de forma irregular. “Sem documento, ela não fez matrícula. Foi lá na escola que disseram que era importante. Agora, estou feliz e satisfeita por estar tudo certo”, conta Paula, que não foi alfabetizada.
Ao fim da audiência, o magistrado Luiz Antônio Afonso Júnior (foto abaixo) endossou a necessidade do pleito da agricultora Kalunga. “Parece um fato simples, mas representa muito: é importante promover cidadania para esse povo”.
Abrangendo três municípios – Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás – o quilombo Kalunga reúne cerca de 5 mil pessoas, descendentes de escravos quilombolas. O acesso difícil e a distância da área urbana contribuíram para que esse povo ficasse isolado por quase de 300 anos. Assim como Paula, estima-se que muitos outros não sejam alfabetizados e não tenham seus registros civis.
Justiça Ativa
O Justiça Ativa em Cavalcante começou nesta segunda (28) e vai até quinta-feira (1), com 244 processos em pauta, além dos atos em auxílio. A iniciativa conta com apoio de cinco juízes, designados, especialmente, para atuar na comarca durante o evento: Everton Pereira Santos (1º Juizado Espacial Cível e Criminal da comarca de Catalão), Fernando Ribeiro de Oliveira (Juizado Especial Cível e Criminal de Trindade), Luiz Antônio Afonso Júnior (1ª Vara – Cível Criminal e da Infância e da Juventude de Ipameri), Nickerson Pires Ferreira (2ª Vara - Cível, das Fazendas Públicas e de Registro Público de Inhumas) e Simone Pedra Reis (Vara Criminal de Cidade Ocidental). Do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), atuam os promotores de Justiça Úrsula Catarina Fernandes da Silva Pinto, Douglas Roberto Ribeiro de Magalhães Chegury, Paula Moraes de Matos, Josiane Correa Pires Negretto e Ariane Patrícia Gonçalves.(Texto: Lilian Cury / Fotos: Wagner Soares / Centro de Comunicação Social do TJGO)