Uma nova perspectiva para o enfrentamento dos graves problemas que assolam o sistema prisional como superlotação, violência, falta de infraestrutura, atuação do crime organizado. Com o advento da Lei nº 19.962, de 3 de janeiro deste ano, que introduziu alterações na estrutura básica e complementar da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Administração Penitenciária, e o mapeamento das facções criminosas em Goiás essa realidade tem se tornado mais viável conforme abordagem realizada durante o curso “Os Desafios da Execução Penal no Estado de Goiás”, promovido nesta sexta-feira (8) pela Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás em parceria com a Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Goiás (Ejug), das 8 às 18 horas, no Auditório do Fórum Cível de Goiânia.
O evento reuniu juízes da capital e do interior que atuam no âmbito penal e teve a participação do presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), desembargador Gilberto Marques Filho, do corregedor-geral da Justiça de Goiás, desembargador Walter Carlos Lemes, coordenador da Ejug, desembargador Gerson Santana Cintra, e das juízas Sirlei Martins da Costa e Maria Cristina Costa, auxiliares da Corregedoria e da Presidência do TJGO. Também compuseram a mesa os juízes Maria Socorro de Sousa Afonso e Silva, diretora do Foro de Goiânia, e Wilton Müller Salomão, presidente da Associação dos Magistrados de Goiás (Asmego).
Após a abertura da solenidade, foram entregues a magistrados e servidores os certificados de reconhecimento e dedicação pela contribuição na força-tarefa de implantação do Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP 2.0) e atualização dos trabalhos na 1ª e 2ª Varas de Execuções Penais, realizada no primeiro semestre de 2018. Elogiando o trabalho desenvolvido pelos magistrados que atuam com a Execução Penal no Estado, o corregedor-geral da Justiça de Goiás ressaltou que o Judiciário goiano é exemplo para o País e agradeceu a presença de cada juiz, ressaltando o empenho na força-tarefa para implantação do Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP 2.0). “A Corregedoria está aqui para colaborar, orientar e não só punir. Sem a dedicação dos nossos magistrados, que estão hoje entre os melhores do Brasil, e dos nossos servidores os trabalhos relativos ao BNMP não poderiam ter sido cumpridos dentro do prazo determinado pelo Conselho Nacional de Justiça. Quanto a esse curso, devemos lembrar que o desenvolvimento de estratégias para uma boa gestão das políticas penitenciárias, como base num modelo que privilegie a promoção de direitos aos sujeitos em privação de liberdade, é tarefa urgente para uma nação que busca o desenvolvimento pleno de sua população”, enfatizou.
Ao explicar o fator principal que motivou a realização do curso, a juíza Sirlei Martins da Costa, auxiliar da Corregedoria, que está à frente da Execução Penal pelo órgão e é integrante do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF), acentuou que essa área é hoje uma das que mais causam angústia e preocupação nos magistrados dessa seara pela crise experimentada nos últimos tempos com constantes rebeliões e atuações de facções criminosas dentro dos presídios. “A decisão foi conjunta para a promoção desse curso no qual pretende-se trabalhar propostas, estratégias e medidas emergenciais para combater as dificuldades enfrentadas com as várias vertentes do crime no sistema penitenciário. Precisamos debater, refletir, buscar soluções efetivas. É muito importante contar com o envolvimento pessoal de cada magistrado, pois, embora os problemas estruturais sejam notórios, é preciso usar a criatividade como vários colegas tem feito, especialmente no interior, com boas práticas, apresentadas inclusive neste evento”, destacou.
Visando auxiliar os magistrados que atuam com a Execução Penal em Goiás, a CGJGO, segundo lembrou a magistrada, feditou o Provimento nº 07/2018, que regulamenta, no âmbito do Poder Judiciário, a autonomia e a independência do órgão estadual de administração penitenciária para gestão de vagas, implantação e movimentação dos encarcerados. Ela também fez menção ao empenho do GMF, à presença dos grupos faccionais dentro dos presídios e da alteração proposta pela Lei nº 19.962/2018, cuja temática é nova e deixa a responsabilidade da gestão dos presos a cargo do Executivo. “Tem sido desenvolvidos vários serviços de inteligência pelos órgãos ligados à administração penitenciária para enfrentar essa atuação contínua dos criminosos que encabeçam as facções nas unidades prisionais. Na prática, com a mudança dessa lei que transfere do Judiciário para o Executivo essa gestão de presos, especialmente no que tange ao quantitativo de vagas, acredito que demos um passo muito importante”, realçou.
Ministrações sobre temáticas atuais
Pela manhã, foram feitas exposições pelo promotor de Justiça de Goiás Thiago Galindo Placheski e pelo delegado Danilo Fabiano Carvalho e Oliveira, superintendente de Inteligência Integrada, sobre as facções criminosas presentes em Goiás e os principais pontos de atuação, bem como a onda de mortes promovidas em razão da divergência entre dois grupos criminosos conehcidos nacionalmente: PCC e Comando Vermelho. “Goiás é um dos Estados que sofrem com esse problema de grande complexidade que é o controle das facções criminosas dentro dos presídios, mas estamos aqui avançando e a s instituições já estão enxergando a questão sob outro prisma. Estamos na fase do planejamento e unidos em torno desse único objetivo para o bem de toda a sociedade”, destacou.
Na sequência, o coronel Edson Costa Araújo, diretor-geral da Administração Penitenciária de Goiás, e o juiz Eduardo Alvares de Oliveira, da 1ª Vara Criminal de Rio Verde, ministraram sobre a gestão de vagas pela DGAP e sobre o impacto da recente Lei Estadual nº 19.962/2018. “Estou convicto de que a maior mudança com a estruturação do sistema penitenciário é a divisão dos presos. Com a nova lei será possível separa os mais perigosos daqueles que podem realmente ser abrangidos com políticas de ressocialização. Sem dúvida, isso impacta diretamente no trabalho do juiz, que também precisa exercer a função de gestor em casos de natureza diversa”, comentou o magistrado.
No rol de palestras da tarde, o juiz auxiliar da Presidência, Jeronymo Pedro Villas Boas, abriu os trabalhos fazendo uma ampla explanação sobre a adoção do processo eletrônico na Execução Penal. A seu ver, esse método adotado pelo TJGO tem como finalidade precípua facilitar a gestão nas unidades prisionais. Ele lembrou que Goiás é terceiro Estado do Brasil a implantar o sistema eletrônico nesse âmbito. “A ferramenta da informatização é de suma importância e procuramos a identificação do modelo que melhor se adequasse ao nosso Estado. Com o aumento contínuo de processos, sobretudo na área penal, temos que procurar alternativas que amenizem essa sobrecarga”, asseverou.
A utilização dos sistemas eletrônicos (PJD, BNMP 2.0, GoiásPen e Execpenweb) foi retratada por Thiago Borges Dutra de Castro, coordenador Judiciário da Diretoria do Foro de Goiânia; Nair Pinheiro Moura coordenadora administrativa do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF), e Luiz Mauro Pires, diretor de Informática do TJGO (foto). “Antes da implantação de um novo sistema, é preciso pensar na estrutura. Não podemos lidar apenas com a digitalização convencional no que se refere a virtualização dos processos da execução penal, por exemplo, pois precisamos não só das fotos, mas do conteúdo. Nesse novo caminho trilhado pelo Judiciário, que converge do físico para o digital, precisamos realmente estar preparados”, evidenciou.
Etapas e boas práticas
Ainda no período vespertino, foram apresentadas as boas práticas desenvolvidas por cinco magistrados do interior. Entre elas o Programa Ressocializar, encabeçado pela juíza Simone Pedra Reis, de Cidade Ocidental. Com o objetivo de estimular o cumprimento de pena no regime semiaberto e possibilitar a reinserção do apenado na sociedade, os presos trabalham seis horas, voluntariamente, durante os sábados, no Hospital Municipal da cidade ou no Batalhão da Polícia Militar, e ganham o direito de passar os fins de semana com a família ou resolver assuntos pessoais fora da unidade prisional. “Antes de adotarmos essa medida constatamos que a evasão no regime semi-aberto era muito alta nos fins de semana em que os presos ficavam ociosos e tinham obrigatoriamente que voltavar para o presídio e só retornar ao trabalho na segunda-feira. Agora esses índices são quase nulos porque os presos podem vivenciar novas experiências humanitárias e conviver em ambiente diferente do prisional. Dessa forma, eles se sentem estimulados a cumprirem a pena e passam a ter disciplina com os horários e se integram aos poucos na sociedade”, sublinhou.
Simone Reis assinalou ainda que o projeto teve início em setembro de 2017 através da parceria entre o juízo da Vara Criminal da comarca com o Ministério Público Estadual, Núcleo de Assistência Judiciária, direção da Unidade Prisional local e prefeitura municipal e já caminha para a terceira etapa, com a possibilidade de se esnder a outros locais públicos como escolas. “Pretendemos que os presos possam fazer pequenas reformas nas escolas bem como construir e reconstruir, por exemplo, carteiras, mesas e realizar outros pequenos reparos”, frisou.
Outra boa prática exposta foi a do juiz Marcos Boechat Lopes Filho, de Israelândia, que, com medidas simples, mas efetivas, mudou a realidade do presídio local. Com o grande problema da comarca estava relacionado ao uso e tráfico de drogas e as visitas de familiares e amigos aos presos eram abertas, a polícia sempre tinha problemas com o repasse de substâncias entorpecentes, celulares e chuchus (armas de fabricação caseira e pontiagudas). Para acabar com o problema, o magistrado proibiu essas visitas e implementou o monitoramento em que os presos não tem contato físico e tem que assinar um formulário onde consta cada item entregue pelo visitante. “Os presos só tem contato com as famílias e amigos através de um vidro e interfone que mandamos construir. Com isso, evitamos que drogas e outras mercadorias sejam entregues aos presos. Em datas festivas como Dia das Mães, dos País, Natal, conforme uma triagem de bom comportamento que fazemos do perfil de alguns presos, concedo esse direito de visitação aberta, mas nos pátios onde eles participam dessas comemorações também instalamos câmeras e eles são acompanhados pelos agentes”, explicou.
Outra ideia do magistrado, já em andamento, é a implementação de um presídio exclusivamente feminino na comarca, que será o primeiro no interior do Estado. “Não temos vagas hoje para o público feminino, nem celas específicas. Esse é outro grande problemas das comarcas do interior de Goiás. Nossa intenção é transferir os homens que estão presos hoje conosco para Iporá, em concordância com o juízo local. Assim poderemos receber as presas também das microregiões que abrangem também Caipônia, Piranhas, Aragarças e Montes Claros. Já temos um cronograma de transferências dessas presas que deve ocorrer até final junho, depois que fizemos as devidas reformas e adaptações para acolhe-las como construção de beliches, instalação de ventiladores e armáriso de aço apr aque ela spossam guardar seus pertences, além de uma sala específica para atender o que propõe o fantástico Programa Amparando Filhos, hoje reconehcimento em ãmbito nacional”, enalteceu.
Duas etapas
O curso foi promovido em duas etapas: a distância, por meio do sistema moodle, e presencial, realizada hoje (8). Na etapa a distância, foram realizadas pesquisas entre os magistrados com o objetivo de mapear a forma como cada comarca executa o sistema semiaberto e identificar a impressão dos juízes quanto ao problema proposto e levantar as boas práticas em curso no Estado e coletar a opinião dos juízes acerca da política institucional de fomento e gestão das boas práticas. Essa etapa é credenciada pela Escola Nacional de formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), com certificação válida para fins de promoção por merecimento. (Texto: Myrelle Motta – assessora de imprensa da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás/Fotos: Aline Caetano- Centro de Comunicação Social do TJGO)
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