Devido ao esforço concentrado realizado em 20 de agosto deste ano, no Povoado Recanto das Araras, pela equipe do Programa Acelerar – Núcleo Previdenciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) –, para a concessão de benefícios previdenciários aos portadores do xeroderma pigmentoso (XP) na localidade, maior comunidade do mundo com o índice da doença, e da ampla repercussão acerca do tema em nível local e nacional, os moradores serão beneficiados com várias ações sociais neste sábado e domingo (24 e 25). Nesta quinta-feira (21), eles receberam o reconhecimento público federal do Ministério da Justiça, cujo pedido foi feito por Gleice Machado, presidente da Associação Brasileira do Xeroderma Pigmentoso (ABRAXP).
Das 9 às 15 horas, no próprio povoado, serão feitos vários procedimentos com os moradores por profissionais da saúde, como prevenção ao câncer, consultas, cirurgias e exames de dermatoscopia. A realização do evento está a cargo da ABRAXP e da prefeitura de Faina em parceria com várias empresas, entre elas o Serviço Social da Indústria (Sesi) La Roche Posay, Sociedade Brasileira de Dermatologia e Editora Kelps.
Sensibilizada com a situação dos moradores de Araras, a juíza Alessandra Gontijo Amaral (foto à direita), diretora do Foro da comarca de Goiás, iniciou em março deste ano uma campanha em prol dos portadores de XP e sugeriu a realização do mutirão previdenciário no povoado. Alessandra acionou instituições como a Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), o Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18) e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em prol de recursos que atendessem às necessidades do povo de Araras.
Alessandra também solicitou ao governo do Estado a inclusão da pavimentação da Rodovia GO-456, no trecho de Faina ao Povoado do Recanto das Araras. Em ofício enviado ao governador Marconi Perillo, ela pede a inclusão da obra no projeto de Orçamento do Estado para 2016, a ser enviado à Assembleia Legislativa. No documento, a magistrada sustenta que a legislação, notadamente a Lei Federal nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, conhecida como Lei da Acessibilidade, obriga o poder público a garantir os acessos físicos aos portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida, como é o caso dos pacientes da doença de XP.
O reconhecimento público por tamanha dedicação ocorrerá na noite desta sexta-feira (22) quando a magistrada será agraciada com o Título Honorífico de Cidadã Fainense, conforme o Decreto Legislativo nº 11/2015, aprovado por unanimidade pela Casa. A solenidade será realizada às 20 horas, no Plenário da Câmara de Vereadores de Faina e contará com a presença de autoridades locais. “Me sinto honrada com essa homenagem. Na verdade, o mérito não é meu e sim de todas essas pessoas carentes que tanto necessitam da atenção dos poderes constituídos. Minha intenção desde o início foi mostrar a essa comunidade que o Poder Judiciário está de portas abertas e que sempre tivemos a preocupação de ajudá-los de verdade”, ressaltou.
A presidente da ABRAXP, Gleice Machado, que luta há muitos anos pela conscientização das autoridades acerca do problema e convive de perto com a doença, já que é casada com um primo há 14 anos que morreu vítima da enfermidade e mãe de um garoto de 12 anos, que apresenta a doença, também será homenageada pelo Senado Federal em dezembro deste ano. “A realização do mutirão previdenciário em Araras pelo Poder Judiciário foi um dos passos mais importantes para todas essas conquistas. Hoje obtivemos um reconhecimento público federal que demonstra claramente que nossa luta não é, nem nunca será, em vão. A vida da nossa comunidade é muito sofrida, muitos têm dificuldade de aceitar a doença. Temos que usar roupas especiais, chapéu e óculos de sol de grau, proteção solar especial, e medicamentos caros para tratar o câncer. Mas agora, após essa iniciativa da Justiça, e esse reconhecimento poderemos obter mais recursos e ajuda de outros órgãos nacionais”, comemorou.
Retrospectiva
Somente na noite de 20 de agosto deste ano, quando a equipe do Acelerar Previdenciário esteve em Araras, e de forma inédita atendeu os moradores no período noturno, foram realizadas 31 audiências com os portadores de XP, concedidos 27 benefícios e proferidas 100% das sentenças (foto à esquerda). O valor pago em benefícios atrasados foi de R$ 219.172,96. Participaram da ação seis juízes, dois peritos judiciais, um procurador federal, uma assistente social e uma pedagoga. Todos já estão recebendo os benefícios implantados pela Agência de Atendimento de Demandas Judiciais da Gerência Executiva do INSS, em Anápolis.
O XP é uma doença genética rara, na qual o portador possui dificuldade de reverter as agressões que a radiação solar provoca no DNA das células da pele. Nas pessoas saudáveis, um mecanismo corrige as alterações causadas pela radiação ultravioleta no DNA e, por isso, os malefícios provocados pelo sol só vão aparecer com o dano acumulado após muitos anos. Devido à deficiência desse mecanismo de correção, os pacientes de xeroderma pigmentoso desenvolvem rapidamente lesões degenerativas na pele, tais como sardas, manchas e diversos cânceres da pele, em um processo acelerado de fotoenvelhecimento, que mutila e mata.
Por não haver registro de tamanha incidência dessa enfermidade em nenhuma outra parte do mundo, os doentes de Araras são objeto de estudo do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), maior do País no segmento. Integra a equipe o maior conhecedor de xeroderma pigmentoso no Brasil, o biólogo Carlos Frederico Martins Menck, que estuda a doença desde 1976 e esteve no povoado para conversar e examinar os pacientes.
Mal que prevalece de geração em geração
Cerca de 200 famílias residem em Araras. A maioria é formada por casamentos entre parentes, principalmente primos. Foi justamente essa cultura que culminou na perpetuação e proliferação da doença na comunidade, já que é comum entre nascidos da união entre pessoas da mesma família. A estimativa de casos no mundo é de um em cada grupo de 200 mil pessoas, contudo, em Araras, mais de 20 histórias foram registradas em 2010, a maior média do mundo. Somente na Guatemala, País que fica na América Central, uma comunidade indígena apresenta índices semelhantes. No entanto, os habitantes da tribo não vivem mais que 10 anos. Já os de Araras, conseguem chegar à fase adulta, mesmo com todas as sequelas provocadas pelo câncer ao longo do tempo.
A doença afeta ambos os sexos e além do risco de câncer de pele ser aumentando em mil vezes, a incidência de cânceres internos, em 15 vezes. As lesões cutâneas estão presentes nos primeiros anos de vida, evoluindo de forma lenta e progressiva, e são diretamente relacionadas à exposição solar. Aos 18 meses, metade dos indivíduos afetados apresenta algum sinal lesões nas áreas expostas ao sol; aos 4 anos cerca de 75%, e aos 15 anos, 95%.
Os indivíduos podem exibir ainda anormalidades neurológicas progressivas (observadas em cerca de 20% dos casos) e alterações nos olhos. Aproximadamente 80% deles apresentam alterações oftalmológicas que incluem fotofobia, conjuntivite, opacidade da córnea e desenvolvimento de tumores oculares. Cerca de 20% dos pacientes têm alterações neurológicas como microcefalia, ataxia (perda de coordenação dos movimentos musculares voluntários), surdez neurossensorial e retardo mental. Há também aumento do risco de outros tumores cerebrais, gástricos, pulmonares e leucemia. O povoado Recanto das Araras está localizado no município de Faina, a 240 quilômetros de Goiânia. (Texto: Myrelle Motta - Centro de Comunicação Social do TJGO)