O juiz Thiago Castelliano Lucena de Castro, da 2ª Vara Cível, Fazendas Públicas, Meio Ambiente e Registros Públicos de Jataí, condenou o município ao pagamento de gratificação de regência, no percentual de 20% sobre o vencimento, a uma professora de educação física, sob pena de multa de R$ 2mil, sob cada mês não pago, limitada em R$ 20 mil. Além disso, deverá ser paga a gratificação desde a cessação do pagamento.
Consta dos autos que Maria de Fátima da Silva Vidal ajuizou ação contra o município de Jataí, alegando que ingressou no serviço público por meio de concurso, sendo nomeada em 1° de fevereiro de 2001 para exercer o cargo de profissional do magistério e, devido a seu currículo, atualmente compõe o quadro de profissional do magistério classe 3, desempenhando função de professora de educação física aos alunos do berçário ao quinto ano da primeira fase na Escola Zilah Amorim.
Maria de Fátima recebia gratificação de 20%, conforme artigo 81 da Lei Municipal nº 2.822/07, intitulada em seu contracheque como 'jardim 20%'. Porém, a partir de fevereiro de 2015, desempenhando a mesma função, o município de forma injustificada não efetuou o pagamento da gratificação.
O magistrado lembrou que em se tratando de cargo público, constitucionalmente há apenas cargo efetivo – preenchido por concurso – e cargo comissionado – de livre nomeação e exoneração –, sendo este último restrito a atividade de assessoria, chefia ou direção. Ele observou que em razão do sistema remuneratório público não ser delimitado pela Constituição, não havendo regra sobre o alcance e o limite de abonos, gratificações, acréscimos ou outras viagens. “Assim, a legislação municipal deve se ater às regras e aos princípios constitucionais, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade”, destacou.
Ao citar o artigo 81 da Lei Municipal n° 2.822/07, que instituiu sobre a Gratificação de Regência de Classe, Thiago Castelliano salientou que se levar em consideração a literalidade da lei, “basta o professor atuar na educação infantil, no ciclo básico ou no ensino especial, para receber gratificação de 20%. Teleologicamente, ao que parece, a lei municipal aumenta o vencimento, pela gratificação, por dois motivos: a dificuldade natural em trabalhar com alunos menores e o incentivo para que outros profissionais da educação trabalhem com eles”.
No entanto, o juiz disse que o município alegou que o pagamento da gratificação é feita para os profissionais da educação que têm efetiva regência, ou seja, estão em sala de aula e registram conteúdo, frequência, fazem planejamento, aplicam e corrigem prova, etc. Além disso, sustentou que o professor de educação física atua apenas recreativamente, não possuindo esses outros deveres legais. “Com efeito, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) não há divisão ou discriminação entre o professor que atua na regência e o que não atua. O art. 26, § 3º, inclusive, dispõe que a educação física integra a proposta pedagógica da escola e é componente curricular obrigatório da educação básica”, argumentou Thiago Castelliano.
Segundo ele, na lei municipal não há distinção entre professores, “nem poderia ter, uma vez que o objetivo da gratificação é remunerar o professor que trabalha com a educação infantil, o ciclo básico e o ensino especial, e não quem trabalha mais ou menos, quem corrige ou não prova, quem está ou não em sala de aula”.
Para o juiz, os professores de educação física, assim como os de história, de matemática, etc., têm a mesma missão, que é a de educar no ambiente escolar, e não apenas de ministrar aula expositiva. “São todos vocacionalmente, metodologicamente e funcionalmente idênticos, voltados para a formação educativa das crianças. A opção legal pelo pagamento da gratificação não é pelo desgaste, o fosse assim, todo trabalhador rural teria os melhores e primeiros benefícios previdenciários em razão do desgaste físico na labuta diária”, frisou.
Conforme destacou o magistrado, a lei não busca criar uma classe distinta entre professores de regência e professores sem regência, ou então, entre professores que têm algumas obrigações e outros que não as tem. “Essa divisão é odiosa e não amparada pelo princípio da igualdade, com previsão no artigo 5º, caput da Constituição Federal”, enfatizou.
STF
Ainda em sua sentença, Thiago Castelliano destacou um caso parecido. Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 29 de outubro de 2008, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.772/DF, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que a aposentadoria especial para professores também se estenderia aos professores ocupantes em cargo de direção, pois todos estão imbuídos da mesma missão de educar, não podendo haver discriminação entre eles.
Neste julgamento, ainda de acordo com o juiz, o Ministro César Peluso afirmou que “não se trata de valorizar o desgaste físico e psicológico, mas de valorizam uma função importante, como diz o art. 205, de uma atividade que faz parte da dignidade da pessoa humana, porque é condição necessária para o desenvolvimento das virtualidades da pessoa”.
“Ora, se o próprio Supremo Tribunal Federal impediu a discriminação entre professores que estão em sala de aula daqueles que estão em cargos diretivos, para fins de aposentadoria, também não é possível a discriminação que propõe o município para fim de pagamento de gratificação”, reforçou Thiago Castelliano.
Além disso, o magistrado citou uma decisão da Suprema Corte Norte-Americana, denominado caso Plessy vs. Fergusson, onde, segundo ele, a corte entendeu que o princípio da igualdade equipara brancos e negros, mas seria constitucional lei que promovesse a separação entre eles, criando a ideia de “iguais, mas separados”, ou seja, ambos têm os mesmos direitos, mas serão separados nas escolas, nos restaurantes, no transporte público, etc.
“É o que parece ocorrer. Pelo raciocínio argumentativo do Município, o professor de educação física é professor para fim de se submeter ao concurso do magistério e ao seu respectivo estatuto, mas não pode receber a gratificação de 20%, separando-os dos demais profissionais da educação”, finalizou Thiago. (Texto: Arianne Lopes – Centro de Comunicação Social do TJGO)