Em entendimento unânime, a 2ª Câmara Criminal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), acompanhando voto do desembargador Leandro Crispim, absolveu um homem de 48 anos que manteve um relacionamento amoroso duradouro com uma menina de 13 anos, por entender que a relação aconteceu com o consentimento da menor. Ele havia sido condenado pelo juízo de Planaltina a 8 anos de reclusão, em regime semiaberto, por estupro de vulnerável (artigo 217- A, do CP).
Em posicionamento diferenciado, Leandro Crispim, ao aprofundar a análise dos autos e do conjunto probatório, entendeu que a relação ocorria de forma deliberada, uma vez que a própria garota, em suas declarações, afirmou que nunca foi ameaçada ou chantageada pelo apelante e que o caso afetivo e as relações sexuais aconteciam por sua livre e espontânea vontade. Embora considere imoral e reprovável a conduta praticada, para o relator, o perfil da vítima é inaplicável ao estupro de vulnerável, crime pelo qual foi denunciado. “Impõe-se absolvição quando o conjunto probatório mostra, fartamente, que a menor, à época dos fatos, lamentavelmente, já estava longe de ser ingênua, inconsciente e desinformada a respeito de sexo ”, ponderou.
Segundo Crispim, mesmo que a lei considere crime o relacionamento com menor, ainda que consentido, e utilize o critério biológico ao deliberar como vulnerável menor de 14 anos, tal entendimento se amolda à moral pública sexual vivida à época de implementação do Código Penal de 1940, já ultrapassado. “Naquele tempo, tal ideologia mostrava-se coerente com os valores patriarcais do período, estabelecidos nas relações de dominação do homem sobre a mulher. Especialmente em matéria sexual. Basta lembrar os tipos penais com vitimização exclusiva da mulher, onde utilizava-se elementos normativos de ‘mulher honesta’ e ‘mulher virgem’. Inquestionavelmente, a forma de se descortinar a presunção de violência, dentro dos parâmetros da teoria absoluta gerou uma série de julgados desarrazoados”, avaliou.
Ao considerar a mudança de realidade social ao longo dos anos principalmente quanto à liberdade sexual, o desembargador cita julgado semelhante da desembargadora Carmecy Rosa Maria Alves de Oliveira, que também compõe a 2ª Câmara Criminal. “Conforme o artigo 224 do CP, o conceito de violência presumida é absoluto e inflexivo, no qual o consentimento é inválido. Porém, esse é o pensamento do legislador de 1940, ano em que foi elaborado do Código Penal Brasileiro. Nos dias atuais, o adolescente tem acesso às informações como nunca na história. A internet, por exemplo, é um dos meios mais acessíveis a estes meninos e meninas, o que representa dizer que quanto maior o acesso, mais sexo e pornografia lhes são apresentados. Neste contexto, vemos a necessidade de adequação aos valores da atualidade para que as decisões sejam mais justas”, asseverou, reiterando entendimento da colega.
Por outro lado, para proferir a decisão, Crispim também levou em consideração o fato de que a menina não era mais virgem quando se relacionou com o acusado, conforme apontou o exame pericial, e que, após a separação de ambos, de acordo com o depoimento da mãe da jovem, ela já estava vivendo com outro homem, com quem teve um filho. Um aspecto também pertinente na visão do magistrado é que a garota mentia a idade para o “companheiro”, justamente para preservar seu relacionamento. “Diante dessa reflexão, e diante da realidade do caso em estudo, a meu ver, a presunção da violência no crime de estupro de vulnerável tem caráter relativo e pode ser afastada. Existe ainda registro no interrogatório de que o apelante não sabia, ao certo, a idade da apelada que mentia para ele no intuito de salvaguardar seu relacionamento”, frisou. (Texto: Myrelle Motta - Centro de Comunicação Social do TJGO )