Olhares atentos e curiosos. Foi assim que as 15 adolescentes em situação de acolhimento institucional, vindas de Luziânia e Cavalcante, chegaram na primeira capital do Estado, Goiás. A iniciativa de levar as meninas até a cidade faz parte do projeto "Mais um Sem Dor", que tem como parceiro o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), por meio da Coordenadoria da Infância e Juventude de Goiás.

Pela primeira vez, o projeto, que é de autoria do Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO), levou até a cidade de Goiás adolescentes que são acolhidas institucionalmente ou acompanhadas em processos de medida de proteção pelo Poder Judiciário na comarca de Luziânia. Já as participantes da comarca de Cavalcante de Goiás foram acompanhadas pela rede de proteção infanto-juvenil da comarca. Normalmente, o projeto atende mulheres vítimas de violência.

Foram três dias com uma programação extensa de cursos em que as adolescentes puderam aprender sobre culinária, bordados, cerâmica e cultura goiana. Para a maioria, a grande atração estava em sair de sua cidade natal e ficar hospedada em um hotel com piscina, mas elas mal sabiam que toda a viagem estaria carregada de novidades e transformação. Além dos cursos, as jovens seguiram um roteiro poético na cidade, iniciado na porta da casa onde morou a poetisa Leodegária de Jesus e encerrado no Beco da Vila Rica, localizado no fundo da Casa de Cora Coralina, na antiga Vila Boa.

Entre 14 e 17 anos, as adolescentes não escondiam o entusiasmo e queriam saber com detalhes do que acontecia na cidade de Cora Coralina. “Tia, então Cora Coralina já sofreu na vida?, questionou uma delas. A pergunta parecia simples, mas era carregada de significado para uma adolescente de 16 anos que foi abusada pelo pai, pelo padrasto e teve a mãe como cúmplice do padrasto. “Ouvi falar de Cora uma vez na escola, mas não sabia que ela fez tanta poesia e sofreu. Vindo aqui ela se tornou uma inspiração para mim”.

Assim, como a cidade de Goiás, as meninas iam reconstruindo sua história pelas ruas de pedra. Rodeada pela Serra Dourada, a cidade foi fundada em 1727, no ciclo do Ouro, às margens do Rio Vermelho. Apesar de ter sido reconstruída, Goiás passou por uma das maiores enchentes de sua história, em 2001, devastando suas pontes e casas históricas. Passado e reconstrução foram palavras usadas a todo momento pelas 15 adolescentes. “Engraçado que aqui eu esqueci do que eu sofri no meu passado. Quero seguir minha vida e ser enfermeira”, disse uma das jovens.

Para a adolescente de 15 anos que veio de Cavalcante de Goiás, a ida a cidade de Goiás é também uma volta ao tempo. “Parece que estou vivendo na época da minha avó. Ela falava que a gente iria sempre sofrer muito na vida, mas com força tudo daria certo”, contou. “Quero estudar e viajar mais vezes para a cidade de Goiás. E ser forte igual essas mulheres antigas”, revelou. “Aqui eu aprendi sobre a história de Goiás, de Cora Coralina, mas gostei mais mesmo foi de bordar. Vou fazer para vender”, disse.

Formatura

No último dia, após uma manhã toda colocando em prática o que aprenderam nas aulas, as meninas receberam uma certificação por terem participado do projeto e realizado todas as atividades. A formatura, realizada na Associação Mulheres Coralinas, contou com a presença da juíza Célia Lara, coordenadora da Infância da Juventude em Goiás; do procurador do Trabalho em Goiás, Tiago Ranieri, e da desembargadora do TRT-PR, Marlene T. Fuverki Suguimatsu.

Célia Lara destacou a importância do projeto para as meninas. “O que elas estão vivendo aqui é uma oportunidade única. Eu vejo como uma luz no fim do túnel para que elas possam sair daqui com uma reflexão e terem uma iniciação de forma digna e respeitável”, disse. A magistrada fez questão de ressaltar ainda que a iniciativa só foi possível devido ao apoio da comunidade das duas cidades em que as meninas vivem, Luziânia e Cavalcante de Goiás.

Segundo o procurador do trabalho, Tiago Ranieri, a vivência durante esses dias é fruto de uma parceria entre a associação e projeto “Mais um Sem Dor” do MPT, que visa a levar emancipação humana. “O intuito é que as adolescentes possam, a partir desses saberes, ressignificar sua existência”. Ao parabenizar a iniciativa e os envolvidos no projeto, a desembargadora Marlene Suguimatsu, que estava de passagem pela cidade e foi convidada para a solenidade, salientou que o que estava acontecendo ali era apenas “o começo de uma linda jornada das meninas”.

Ressignificar

A juíza Célia Regina Lara, coordenadora geral da Coordenadoria da Infância e da Juventude, frisou que o mais importante da iniciativa é fazer com que as 15 adolescentes que foram vítimas de graves violações de direitos possam dar outro sentido às suas vidas. ‘E ressignificar é fazer daquele passado, uma experiência para que elas possam viver um futuro melhor e dar um novo sentido à vida de outras pessoas, das pessoas próximas a vocês”, destacou.

Para a doutora em literatura Brasileira da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e secretária-executiva da Associação Mulheres Coralinas, Ebe Maria de Lima Siqueira, as adolescentes não apenas receberam os certificados, “mas estiveram no local para encontrar forças para ressignificar as suas vidas tão marcadas por variadas formas de violência”.

Acompanharam as adolescentes durante a toda a viagem, a coordenadora do serviço de acolhimento da Casa de Passagem Proteger é Possível, de Luziânia, Maria Aparecida de Santos Araújo; a assistente social Erivanda Maria Ventura; a psicóloga Fernanda Soares; e a conselheira tutelar Rosângela Bispo da Silva. Na formatura também estiveram presentes, Maria Nilva Fernandes, diretora da Divisão Interprofissional Forense; a secretária-executiva da Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJGO, Carla de Paiva; e as servidoras da comarca de Luziânia, Cleide Braz e Isadora Peres. (Texto: Arianne Lopes - Fotos: Agno Santos - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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