“Quantas vezes cheguei em casa e meu pai estava com a arma apontada para a cabeça da minha mãe”. “Eu nunca tive família, meu pai não me dava carinho, quando ia bater na minha mãe, eu tentava impedir”. Essas frases foram ditas por homens autores de violência doméstica, durante participação dos Grupos Reflexivos, em Goiânia. São encontros compulsórios para incursos na Lei Maria da Penha, como parte das ações oferecidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) para combater esse tipo de criminalidade. Nesta sexta-feira (23), o assunto foi tema de reunião on-line para a magistratura e funcionalismo goiano, como forma de expandir a iniciativa.

Segundo estimativa da Coordenadoria da Mulher do TJGO, 98% dos concluintes dos Grupos Reflexivos não volta a reincidir no mesmo delito. A participação não interfere na pena regular e está prevista no artigo 152 da Lei de Execução Penal. A participação é uma medida judicial, imposta como medida protetiva ou parte do cumprimento da pena. A iniciativa tem o intuito de dar efetividade a Recomendação nº 124, de 07 de janeiro de 2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que recomenda aos Tribunais de Justiça Estaduais que instituam e mantenham programas voltados à reflexão e sensibilização de autores de violência doméstica e familiar, com o objetivo de efetivar as medidas protetivas de urgência previstas nos incisos VI e VII da Lei Maria da Penha (Lei nº11.340/2006). 

Dessa forma, nos Grupos Reflexivos há uma série de reuniões, promovidos com um número restrito de participantes, em média oito a 15, nos quais são trabalhados eixos temáticos de debate, no formato de diálogo. A intenção é desconstruir uma cultura de violência, geralmente relacionada à masculinidade, perpetuada na sociedade, geração após geração.

A condução da reunião desta sexta-feira (20) foi feita pelas juízas Marianna de Queiroz Gomes (foto acima), diretora executiva dos Grupos Reflexivos de Gênero no âmbito do Poder Judiciário, e Sabrina Rampazzo de Oliveira, integrante da equipe. A primeira magistrada está à frente do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da comarca de Rio Verde e a segunda, da unidade judicial do mesmo tema de Jataí.

“O encontro é uma prova do quão avançado o trabalho está em Goiás, queremos mostrar os resultados e oferecer apoio para incentivar a adesão. Nosso grande objetivo é transformar a questão numa política institucionalizada do TJGO”, reforçou a diretora. “O assunto causa transformação em todos nós, que estamos engajados nesta proposta de intervenção e há excelentes resultados em todo o Brasil”, destacou a juíza Sabrina Rampazzo.

Rede

A organização e estruturação legal e prática dos Grupos Reflexivos foi apresentada pelos servidores Sherloma Aires e Carlos Gonçalves. Os dois falaram sobre o Pacto Goiano pelo Fim da Violência, que visa articular e integrar políticas públicas, numa somatória de esforços de órgãos e entidades para o tema. Numa desses frentes de trabalho está, justamente, o Grupo Reflexivo, oferecido em Goiânia no Centro de Referência e Igualdade (CREI), do Poder Executivo Estadual. “Queremos formar multiplicadores para ampliar a medida e aperfeiçoar onde já existe, padronizando formatos”, endossou a magistrada diretora.

Cultura da violência

Violências são contextos e histórias, na percepção da psicóloga e pesquisadora atuante nos Grupos Reflexivos de Goiânia, Andressa Teodoro. Para a profissional, homens aprendem a ser violentos a partir de suas relações. “Há uma cultura que autoriza esses homens a serem violentos, a agir a partir de uma hierarquia. Homens, geralmente, não são incentivados a demonstrar sentimentos, a não ser a raiva”. Para exemplificar, ela conta a história de um participante que não podia demonstrar tristeza ou choro, desde a infância, sendo humilhado ou diminuído em sua masculinidade quando estava triste ou depressivo.

Em comum, os participantes compartilham histórias de violência doméstica na infância e traumas com os pais. Andressa Teodoro acredita que agressões são aprendidas. “Esse homem cresce aprendendo a resolver seus conflitos por forma da violência. É preciso desconstruir isso, por isso, nos grupos, abordamos as histórias de vida de cada um”.

Assim, os grupos não têm formatos de palestras ou exposições. São diálogos abertos e exposições, nas quais todos são ativos. “Os participantes são autores. Fazemos muitas perguntas, com objetivo de reconectar conhecimentos, sentimentos e ações. O grupo é uma ferramenta para refletir coletivamente”.

Experiência de Jataí

Além de expor o funcionamento dos Grupos Reflexivos, a juíza Sabrina Rampazzo (foto acima) apresentou ações praticadas na comarca de Jataí voltadas às mulheres vítimas de violência doméstica. Com o Café com Elas, as participantes podem optar por receber atendimento psicológico; enquanto o Projeto Colmeia contribui com o empoderamento feminino. “São várias ações integradas que promovem inclusão digital, capacitação profissional, colocação no mercado de trabalho e, até mesmo, cirurgia plástica reparadora para as vítimas que sofreram danos físicos. Hoje, as mulheres que procuram o Juizado têm garantia de atendimento e de reparação em várias frentes e formas”. A magistrada também se colocou à disposição das juízas e juízes participantes para “auxiliar, trocar ideias e experiências, a fim de falar sobre possibilidades para contribuir nesse aspecto”. (Texto: Lilian Cury / Fotos: Acaray Martins - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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