O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), por meio do Comitê de Igualdade Racial, sob a coordenação da juíza Adriana Maria dos Santos Queiróz de Oliveira e a Escola Judicial de Goiás (EJUG), promoveram, nesta quinta-feira (12), o webinário “Torto Arado Encontro com Itamar Vieira Júnior”. A obra literária de ficção retrata a história de duas irmãs, Bibiana e Belonísia, marcada por um acidente de infância e que vivem numa fazenda no sertão da Bahia em condições análoga à escravidão. O encontro foi transmitido ao vivo pelo canal da EJUG, no YouTube, e contou com a mediação da integrante do comitê e servidora do Poder Judiciário, Cecília Araújo. O escritor Itamar Vieira Júnior comentou sobre a história do romance que aborda a história de duas irmãs que vivem em um contexto de violência e extrema vulnerabilidade no campo.

O escritor Itamar Vieira Júnior que, com a obra recebeu, em 2020, os prêmios Jabuti de Melhor Romance Literário e Oceanos de Literatura com Torto Arado, agradeceu o convite do TJGO, e também  destacou que o Judiciário goiano está de parabéns pela promoção da literatura brasileira e na divulgação de temas relevantes para o país. Ao todo, cerca de 90 pessoas participaram da conferência on-line, que integra a programação do Fórum Permanente de Estudos Étnico-Raciais do TJGO, e que visa a construção de um espaço colaborativo de estudos e debates, a fim de contribuir para a promoção da igualdade étnico-racial e o combate ao racismo.

Na live, Itamar Vieira falou que o livro, publicado em 2018 em Portugal, começou a ser escrito quando tinha 16 anos de idade. Porém, finalizou-o anos depois, tendo como suporte leituras de autores como Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Guimarães Rosa, entre outros. “Os autores daquele período despertaram o meu interesse pela terra”, afirmou. Destacou também que cresceu ouvindo histórias como a da obra, tendo como o campo parte fundamental para a construção da peça literária. Formado em geografia, o autor comentou que foi aprovado no concurso do Incra aos 25 anos, quando passou a ter contato direto com um Brasil múltiplo, ao contrário do que se vê na televisão, rádio e nos jornais. “No campo, as relações desse Brasil dividido e desigual, essa história fosse revivida no tempo e no espaço. Muitas vezes, trabalhadores resgatados em condição de escravidão são resgatados no campo. Parece que essa ética e moral colonial ainda está vigente”, lamentou.

Desigualdade

Segundo ele, a desigualdade ainda está presente no país, já que grande parte dela tem relação com a estrutura fundiária brasileira. “A Lei de Terras de 1950 tornou as terras devolutas, pois a mesma estabelece a compra como a única forma de acesso à terra e abolir, em definitivo, o regime de sesmarias. No último relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram denunciados mais de 100 assassinatos que ocorreram por conflitos fundiários”, explicou. Ainda, conforme ele, a abolição no Brasil  foi incompleta, uma vez que naquele período os abolicionistas queriam que aquelas pessoas viveram errantes por gerações. “Nós vamos encontrar pessoas, nos dias de hoje, vivendo como os moradores de Água Negra em Torto Arado, em sistema de morada, sujeito à exploração dos proprietários, pois foi incompleta”, frisou.

Inspiração

Além disso, o escritor de 42 anos comentou sobre as origens e a trajetória da sua vida, momento em que mencionou a diversidade de cores que existe em seu ciclo familiar. Acrescentou que, há 15 anos, passou a se olhar como sendo uma pessoa negra. Concordando com ele, a integrante da Comissão, Cecília Araújo, também se  declarrou como mulher negra de pele clara. “Isso é tão libertador Cecília, pois lhe coloca num lugar que você não tinha. Para você não sofrer a violência racial, a pessoa passa a evitar certas situações, já que tem a consciência de que não será colhido pelas pessoas”, pontuou o escritor.

Ele destacou que é importante a identificação, pois devolve algo que foi arrancado de forma brutal pela história do país. “A família do meu pai tem ascendência indígena, já a de minha mãe tem uma ascendência negra ibérica e branca. Assumir esse lugar me devolve essa possibilidade de ter contato com a história que foi arrancada. “A gente sabe que no pós- abolição e com a migração europeia que era uma política pública naquele momento, eugenistas diziam que o Brasil seria um país branco há 100 anos”, sustentou ele.

O autor sustentou que mesmo no século 21, as diferenças continuam brutais, pois a maioria da população é predominantemente negra. “A gente sabe que a democratização racial é um mito nocivo, já que temos população negra nos presídios, bairros periféricos, assim como as pessoas em situação de vulnerabilidade. Então, sabemos que talvez futuramente isso ocorre”, afirmou.

Ele explicou ainda que a literatura acaba contribuindo para despertar a consciência racial, uma vez que pode ajudar em inúmeras questões, já que compartilha a experiência humana. Na oportunidade, ele citou que um dos livros que considera como um "abolismo social" é a obra “Quarto de Despejo”, da escritora Caroline Maria de Jesus. “A gente sabe que o Brasil vem apagando parte da nossa história, mas a literatura ainda se volta para o passado, querendo conhecer definitivamente o seu passado. Com isso, vemos cada vez mais autores contemporâneos dando essa condição dessa realidade”, frisou.

Personagens

O autor disse que as personagens da obra foram inspiradas nas mulheres as quais encontrou pelo Brasil, desde de sua família até as que estão no Congresso Nacional. “Viajando pelo campo, muitas mulheres possuem associações políticas, sendo 70% destas na liderança, uma vez que elas conseguem se dedicar mais do que os homens, criando uma força política”, contou. Ele afirmou que a literatura é um terreno fértil de liberdade, permitindo com que o leitor e o escritor se reinventem. “Escrever literatura é um exercício diário, onde o autor se coloca no lugar do outro, criando com isso empatia. Os leitores vivem as vidas das personagens, pois a maioria das vezes as experiências são marcantes”, pontuou. Ainda, durante a live, ele respondeu a perguntas de participantes do webinário.     

Itamar Vieira Junior nasceu em Salvador, em 1979. É geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA, e autor de Dias e A oração do Carrasco. A obra recebeu diversas traduções para vários países. O autor também revelou com exclusividade que, em junho deste ano, a edição vai estrear na Europa e nos Estados Unidos. (Texto/fotos: Acaray Martins – Centro de Comunicação Social do TJGO)

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