Prisões são uma questão controversa desde quando se tornaram a principal metodologia punitiva na sociedade moderna, ainda no Século 18, à medida que os suplícios em praça pública deixaram de ser a forma mais frequente de pena para os criminosos condenados. Há mais de 200 anos, pensadores se debruçam sobre um problema mundial: a espiral de exclusão e segregação imposta aos detentos, como entrave à ressocialização. A resposta deste celeuma pode estar na pena humanizada, para a Apac, sigla para Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que prevê um modelo de presídio sem violência e armas na vigilância, mas com espírito de responsabilização. Em Goiás, o formato será instalado, de forma pioneira, em Paraúna, e está com 55% da obra concluída. O prédio terá capacidade para 120 homens, nos regimes aberto, semiaberto e fechado.

Wanderlina Lima Morais é juíza titular da comarca pioneira e conheceu esse modelo alternativo quando ainda era magistrada em Minas Gerais, em 2013, Estado onde nasceu a iniciativa. Ela conta que o índice de reincidência a surpreendeu positivamente: 15% contra 85% do sistema regular. Investigou o sucesso e viu que havia uma série de diferenças do tradicional que possibilitavam o êxito, com um adendo: “não há nada novo, tudo é previsto na Lei de Execução Penal, a diferença que é, realmente, difícil de aplicar na prática no modelo tradicional”.

O método apaqueano compreende, a princípio, o envolvimento dos próprios presos em todas as tarefas de manutenção do presídio, como a limpeza, organização e cozinha. Dessa forma, cria-se uma força de trabalho verdadeiramente útil, diferente do trabalho vazio, o qual o filósofo Michel Foucault comenta na famosa obra Vigiar e Punir, livro que tece duras críticas ao sistema punitivo tradicional. “Todos são integrados à rotina da Apac, e se enxergam como parte de cada engrenagem”, conta Leandro Gomes Pereira, presidente regional da associação em Goiás.

Com o emprego dos presos, chamados aqui de reeducandos, o custo também diminui, de R$ 3 mil para R$ 1.2 mil no, em comparação às penitenciárias regulares. Os benefícios, contudo, são imensuráveis na opinião da magistrada e do presidente da associação: a dignidade dos detentos, que estimula o sentimento de pertencimento à sociedade. “Nas Apacs, eles ficam de cabeça erguida. A família não os encara como prisioneiros, mas sim como trabalhadores”, explica Leandro.

A participação familiar é, inclusive, uma das chaves para a ressocialização, uma vez que, para a Apac, a solidão não é um fator operador da pena. “A visitas são feitas num ambiente acolhedor e humanizado, e os familiares não passam por revistas vexatórias. As visitas íntimas, inclusive, são pernoites, nas quais as companheiras podem ter tempo para conversar e estar, de verdade, com os reeducandos. As crianças, por sua vez, têm um parquinho”, conta a magistrada. Parentes e cônjuges recebem ainda ajuda médica e psicológica, assim como os internos.

Essa série de vantagens ao reeducando tem uma contrapartida: se há uma transgressão disciplinar ou desrespeito às normas internas, ele volta ao presídio comum. “Assim, cria-se um senso de responsabilidade e de autodisciplina. Sabemos que o modelo não é para todos, há um perfil específico de reeducando para a Apac, para o qual é possível incentivar essa política”, elucida a Wanderlina.

Leandro tem uma abordagem behaviorista ao exemplificar para quem pode servir o método apaqueano. “Imagine um cachorro. Coloque-o numa jaula, sem água ou comida. Se soltá-lo, ele vira um bicho feroz. Agora, trate-o bem. Seres humanos são assim também”, simplifica.

Terceiro setor

Com mais da metade da obra concluída, o prédio da Apac de Paraúna vai abrigar 120 homens de todos os regimes de execução penal da comarca e região judiciária. A unidade terá 2,4 mil metros quadrados de área construída, em terreno de 24 mil metros quadrados, devendo ser concluída em até seis meses. O projeto arquitetônico foi elaborado de acordo com as normativas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Os recursos são oriundos de doações de órgãos públicos, entidades privadas e de acordos de não persecução penal e termos circunstanciados de ocorrência.

Foi preciso parcerias com associações civis, voluntários, poderes públicos municipais para colocar em prática a iniciativa, que prevê uma estrutura ampla e iluminada. O desembargador Anderson Máximo de Holanda, supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Estado de Goiás (GMF) esclarece, “que apesar de ser incumbência do Poder Executivo a gestão dos presídios, a legislação permite parcerias com o terceiro setor, a fim de fazer a política pública funcionar efetivamente”. O juiz auxiliar da presidência Reinaldo Oliveira Dutra endossa a participação do Poder Judiciário: “A iniciativa é público-privada e o compromisso e gestão são da Apac, mas quem decide quais são os presos que vão cumprir pena no local é o juízo local”. (Texto: Lilian Cury - Centro de Comunicação Social do TJGO / Fotos: Divulgação APAC)

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