Foram 11 anos para a servidora pública Caroline* perceber que o ciúme excessivo sentido pelo marido não significava prova de amor. No mesmo intervalo de tempo, a estudante Daiane sofreu ao assistir às brigas entre pai e mãe evoluírem para agressão física. Histórias de violência doméstica e relacionamentos abusivos são comuns e pautaram o evento desta quinta-feira (8), na comarca de Itaberaí, ao trazer palestras sobre o assunto, com especialistas na área de psicologia e direito. Na plateia, Caroline, Daiane e muitas outras – servidoras, estagiárias e convidadas enxergaram em si, ou em amigas e familiares – situações e possibilidades de ajuda.

A primeira exposição foi da psicóloga Doracy Morais Nascimento (foto à direita), que elencou ações que minam o emponderamento da mulher e criam ambiente propício para situações de risco. “A violência psicológica atinge as conquistas das vítimas e pode ser tão dolorosa quanto a física, pois é gradativa e é invisível aos olhos dos outros. É bastante comum o homem fazer sua companheira acreditar que ninguém mais vai amá-la, que ela não é especial, bonita, nem inteligente. Esse homem destrói sua autoestima. Dessa forma, todo o sentimento de fracasso e culpa por erros no relacionamento, são atribuídos à mulher, que pensa, '‘se eu não tivesse agido assim ou falado assim, ele não teria ficado nervoso’”.

Durante a palestra, Caroline, que tem 32 anos e desde os 21 estava casada, contou que recebeu várias cutucadas das amigas, que acompanharam sua situação, que culminou no término recente de seu casamento. Foram anos de traições, brigas e restrições impostas às roupas que a servidora suportou.

Em dezembro do ano passado, ela conta que tomou coragem para denunciar o marido após o que chamou de “a gota d'água”. Na frente da filha de quatro anos do casal, ele pegou um revólver e apontou-o para a mulher, ameaçando-a de morte. “Minha menina viu a cena disse ‘papai, não mata a mamãe não’. Fui à delegacia e prestei queixa. Achava que era fraca, mas percebi que sou forte. Hoje, estou com medida protetiva contra ele. Estou em paz. Ele vivia me colocando para baixo, dizendo que eu ficaria sozinha para sempre, que ninguém iria me querer, pois sou uma mulher com criança pequena. Mas agora implora pelo perdão”, narra a servidora.

Ruim com ele, pior sem ele. Essa é a ideia que a psicóloga Doracy combateu durante a palestra. “É possível amar sem exercer domínio sobre o outro, sem necessidade de controle, e o ciúme é sinal de insegurança, não de amor. (…) Os abusos começam com a violência psicológica e tendem a aumentar com o uso do álcool. Primeiro, ele esmurra uma porta. Depois, chuta o cachorro. Depois, a vítima pode ser você e, um dia, pode não ter volta. Teve um caso no qual um homem matou o gato de estimação da mulher para mostrar à esposa que a próxima vítima seria ela”.

O aspecto jurídico também foi abordado durante o evento, a cargo da promotora de justiça Luciene Maria Otoni (foto à esquerda), que lembrou que, em Itaberaí, foi registrado o maior caso de violência intrafamiliar já registrado no Estado. Durante a explanação, a representante do órgão ministerial falou que “muitas mulheres voltam atrás nos pedidos de medidas protetivas e durante as audiências e que é necessário repensar os fatores que contribuem para esses aspectos”.

Estagiária do fórum, Daiane Ferreira Fidêncio, 21 anos, se dedica ao estudo, justamente, da retratação nos casos da Lei Maria da Penha, no seu trabalho de conclusão de curso da faculdade de Direito. “É uma temática muito especial para mim, pois vivi isso na minha própria casa, ao ver meu pai brigar com minha mãe, por mais de 11 anos. Isso me machucou muito, mas, ao mesmo tempo, me deu forças para seguir em frente e, inclusive, me dedicar a essa área profissionalmente. Quero, inclusive, ser promotora de justiça”, fala a jovem.

Evento

As palestras foram promovidas durante a Semana da Justiça pela Paz em Casa. Na abertura das palestras, o juiz Gustavo Braga Carvalho (foto à direita) destacou que “o Dia Internacional da Mulher é, além de motivo para comemorações, momento importante para reflexão com a comunidade e mulheres envolvidas com o tema”. Na ocasião, ele agradeceu aos servidores de seu gabinete Camila Lima e Alexandre Xavier, que o ajudaram na organização do evento.

O diretor do Foro local, juiz Ernani Veloso de Oliveira Lino, frisou também que encoraja “a união para lutar contra violência de qualquer espécie contra a mulher e que é necessário lutar para banir conduta do meio social”. Após as explanações, foram feitos sorteios de brindes e oferecidas serviços estéticos às servidoras. * Nome alterado a pedido da entrevistada (Texto: Lilian Cury / Fotos: Aline Caetano - Centro de Comunicação do TJGO)

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