Educar e comunicar são dois atos próximos. Construímos nossa percepção, nosso mundo e nossas vidas com palavras. Por essa razão, a essência da comunicação não violenta está fundamentada na cooperação dos seres humanos entre si, promovendo o respeito, a atenção e a empatia. Essa mudança de paradigmas faz parte do Projeto Pilares: Edificando a Cultura de Paz na Escola, desenvolvido pela Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO) em parceria com a Secretaria Municipal de Goiânia (SME), que nesta quarta-feira (29) deu início à capacitação de 24 facilitadores em círculos de construção de paz.
Em ambiente informal, os profissionais capacitados fazem parte das equipes de apoio pedagógicos das Coordenadorias Regionais de Ensino (CREs), da Comissão de Mediação Educacional e das Coordenadorias Pedagógicas das escolas pilotos. O curso está sob a coordenação da Secretaria Interprofissional Forense da CGJGO.
Segundo a juíza auxiliar da Corregedoria, Sirlei Martins da Costa (foto), idealizadora do Projeto Pilares e que, na abertura do curso de capacitação, representou o corregedor-geral da Justiça de Goiás, desembargador Walter Carlos Lemes, a intenção da CGJGO é implementar a Justiça Restaurativa no âmbito escolar, seguindo inclusive a Meta 8, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre uma nova perspectiva de solução de conflitos envolvendo a aproximação entre vítima, agressor, suas famílias e a sociedade na reparação dos danos causados por um crime ou infração.
“Queremos levar essa comunicação não violenta para dentro das escolas com um olhar mais voltado para as vítimas, seus familiares e os membros da comunidade, trazendo, assim, uma compreensão diferente do conflito. Mas, para isso é necessário primeiro capacitar os profissionais da rede de ensino que lidam cotidianamente com conflitos diversos no âmbito escolar. A não violência permite que venha à tona aquilo que existe de positivo em nós, através da reformulação da maneira pela qual nos expressamos e ouvimos o outro”, explicou.
Citando exemplos de outros países que adotaram esse método, como o Canadá, Sirlei Martins, que aprofundou-se em estudos sobre a comunicação não violenta e atua como instrutora após aprimoramento nesta seara, enfatizou que a solução para os conflitos começa pela autoresponsabilização e pela base dos problemas. “Para combater o conflito se faz necessária uma reflexão sobre a responsabilidade que cada um tem diante de uma situação adversa. Para a identificação real do problema, deve ser observada a fonte, precisamos encontrar a origem das desavenças para que não tomem uma proporção maior.
No Canadá, por exemplo, não existe interferência do Poder Judiciário em situações conflituosas, já que os próprios cidadãos resolvem essas questões entre si, na comunidade que fazem parte. Isso consiste em amadurecimento. Observar e julgar o comportamento do outro é muitas vezes uma prática, porém, refletir sobre as próprias crenças e valores não é tarefa simples. Cada um pode ser menos violento ao assumir a responsabilidade por seus comportamentos e com isso criar conexão mais profunda com os demais. Por esse motivo, queremos que vocês sintam essa mudança interior, pois só assim poderão transmitir esse sentimento aos outros”, ressaltou, dirigindo-se ao grupo de novos facilitadores.
Outro aspecto salientado pela magistrada é o fato de que o trabalho preventivo para a resolução pacífica dos conflitos ajuda a evitar que essas situações deságuem no Judiciário. “Os juízes trabalham hoje com um número descomunal de processos e as estatísticas demonstram que mais de 100 milhões de ações estão em tramitação na Justiça brasileira. Essa outra alternativa de enfrentar e enxergar o conflito de forma positiva também é uma maneira de impedir que o Judiciário fique ainda mais abarrotado”, ponderou.
De acordo com a coordenadora da Comissão de Mediação Educacional e do Projeto de Resolução Criativa de Conflitos no Ambiente Educacional, Clédia Maria Pereira (foto à esquerda), esse trabalho prevê a positivação dos conflitos e oferece instrumentos eficazes para administrá-los. A seu ver, a união de esforços entre o Tribunal de Justiça de Goiás, da Corregedoria e a SME para a resolução criativa desses conflitos já apresenta resultados muito positivos.
“As pessoas precisam se sentir acolhidas aceitas e respeitadas no ambiente em que estão inseridas. No âmbito escolar não é diferente e o aprendizado jamais será exitoso em um contexto conflituoso. Através da mediação podemos ter uma melhor percepção dos profissionais que precisam de ajuda. Esse projeto conjunto com o TJGO, com a Corregedoria, é voluntário e possui com metodologias específicas através dos círculos restaurativos, de paz. Temos que proporcionar a capacitação para que esses profissionais possam compreender com exatidão o processo positivo de uma comunicação não violenta e aplicá-los nas escolas com as ferramentas adequadas”, pontuou, ao destacar que essa nova percepção já foi disseminada em 60% das escolas da rede municipal com sucesso.
Prevenção e olhar diferenciado
Agradecendo a participação de todos e dando as boas-vindas aos profissionais que receberão a capacitação, a representante da Secretaria Interprofissional Forense da Corregedoria, Maria Nilva Fernandes Moreira (foto à direita), que também atua como instrutora, lembrou que foi assinado um termo de cooperação técnica entre o TJGO e a SME para implementação do Projeto Pilares e deixou claro que para evitar a violência nas escolas, principalmente entre a comunidade mais jovem, o trabalho preventivo é de suma importância.
“Buscamos aqui a melhoria das relações, o momento reflexivo, a construção de valores incompreendidos. Compartilhamos saberes, somamos forças e primamos pela reflexão. Hoje temos dados no Mapa da Violência que demonstram que o número de mortes violentas no Brasil supera as que ocorrem no Líbano. Precisamos mudar esse cenário e isso só será possível com uma transformação interior, de atitudes que precisam partir de nós mesmos, da leveza no olhar, de formas diferenciadas de encarar e administrar os conflitos, as pessoas e o mundo ao nosso redor, sempre dando ênfase ao positivismo”, frisou.
Na visão do integrante da Comissão de Mediação Educacional, Francisco Perna Filha (foto à esquerda), que tem mais de 26 anos de experiência com a área da educação e está se capacitando como facilitador no curso iniciado hoje, esse aperfeiçoamento é de fundamental importância para combater ajudar no combate à violência nas salas de aula que, segundo acredita, começa no seio da família.
“Temos um problema social grave. Por um lado, alunos violentos que trazem problemas de casa e como não são tratados de forma correta, muitas vezes até negligenciados pelos professores, tudo acaba virando uma grande bola de neve. Por outro ângulo, só em São Paulo mais de 6 mil educadores estão afastados de suas funções por problemas psíquicos. Realmente, nossa missão é nos educarmos pela paz, buscando uma comunicação não violenta, mostrando a essas pessoas que existe um outro caminho, uma solução possível”, acentuou.
Sobre o Projeto Pilares
O Projeto Pilares consiste na disseminação do respeito como aspecto primordial para que sejam estabelecidos o diálogo e as relações pacificadoras na solução de conflitos dentro das escolas. A valorização deste sentimento é reforçada pelos Círculos de Construção de Paz que tem sido promovidos nessas primeiras etapas com as equipes de apoio pedagógico das Coordenadorias Regionais de Ensino.
A apresentação desta metodologia relativa ao círculo de paz aborda temáticas relativas a habilidades sociais, comunicação não-violenta, promoção do diálogo, compartilhamento e resolução de conflitos, construção de relacionamentos saudáveis, estabelecimento de vínculos, valores ética, resiliência, entre outros. Já disseminado em várias escolas da capital, o Pilares surgiu em complemento ao Projeto Mediação Criativa de Conflitos, da SME. (Texto: Myrelle Motta - assessora de imprensa da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás/Fotos: Acaray M. Silva - Centro de Comunicação Social do TJGO)