“Cada pessoa tem uma história que merece ser contada e um nome que deve ser respeitado”. A afirmação é do corregedor-geral da Justiça do Estado de Goiás, desembargador Leandro Crispim, que abriu na manhã desta quarta-feira (15), a segunda edição da Semana Nacional do Registro Civil, o Registre-se!, em Aruanã, para atender de forma inédita a população indígena karajá, a maior do Estado.
A ação, que ocorre de forma paralela e especial na comarca, aconteceu no Auditório do Fórum local. A solenidade contou com a participação da juíza Soraya Fagury Brito, auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás e responsável pela pasta do Registre-se!, e do juiz Thiago Inácio de Oliveira, diretor do Foro de Aruanã.
Ao dirigir-se aos representantes dos povos originários e aos demais presentes, Leandro Crispim reiterou o compromisso da Corregedoria e do Poder Judiciário com a inclusão, a Justiça, a dignidade humana e a construção de um espaço de respeito mútuo e diálogo intercultural.
“O registro civil é a porta de entrada para o exercício da cidadania. Sem esse documento direitos fundamentais como saúde, educação, dentre outros, ficam fora de alcance. Temos uma responsabilidade histórica e social com os povos originários e estamos aqui para ouvi-los, aprender com vocês e assegurar seus direitos”, garantiu.
O significado da palavra indígena foi lembrado pela juíza Soraya Fagury Brito, auxiliar da Corregedoria e responsável pela pasta do Registre-se!, que destacou a importância da diversidade de cada povo.
“Indígena significa originário, antes dos outros. Temos muito a aprender com os povos originários. Precisamos aceitar, compreender e respeitar a diversidade. Uma sociedade é rica porque ela tem várias origens e culturas.
A seu ver, proporcionar a primeira identificação, ou seja, a certidão de nascimento, a essa população é uma maneira de respeitá-la e valorizá-la.
“Somos inseridos no mundo pela identificação civil. Nela constam nossa filiação, data de nascimento e origem. Somente propiciando esse direito à comunidade indígena é que poderemos construir um mundo mais justo e igualitário”, evidenciou.
Direitos básicos
Na avaliação do juiz Thiago Inácio, diretor do Foro local, a aproximação com os povos originários, por meio desta primeira ação de identificação civil voltada para a população indígena, é de grande relevância, “pois garante os direitos básicos do cidadão e permite o exercício da cidadania”.
O delegado Webert Leonardo Lopes, superintendente de Identificação Humana da Polícia Civil de Goiás, agradeceu a parceria com o Poder Judiciário e acentuou que a partir do momento em que uma pessoa não tem identificação ela se torna são invisível para a sociedade e não tem acesso a serviços únicos e básicos.
“Essa ação é de extrema importância. Tivemos um recorde em abril de 2024, mês em que foram emitidos 70 mil RG em Goiás. De janeiro de 2023 até o momento realizamos quase 200 eventos sociais, o que contabiliza a emissão de 32 mil RG. No ano de 2023 emitimos mais de meio milhão de documentos. Ficamos na vanguarda porque fomos o primeiro Estado a cumprir todos os requisitos legais”, ressaltou.
Resgate da cidadania
Segundo o defensor público Tairo Batista Esperança, a iniciativa visa a cidadania, “aspecto inegociável, que garante direitos e políticas públicas para pessoas em situação de vulnerabilidade”. Conforme o defensor, a mudança e a correção de nomes e sobrenomes representam o resgate e a manutenção das tradições, do patrimônio cultural e da língua indígena, “tão importantes para a história brasileira”.
“O processo de colonização européia no Brasil foi marcado pela repressão violenta das culturas, línguas e tradições dos povos originários. Uma das práticas dos colonizadores foi a imposição de que os indígenas adotassem sobrenomes portugueses, o que resultou em um racismo social e histórico”, pontuou Francisco Otávio Reis, coordenador técnico da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, na abertura do evento.
União e esforço concentrado
Na oportunidade, Evelyn Aída Tonioli Valente, presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de Goiás (Arpen-GO), entidade parceira do evento, agradeceu o empenho de todos os registradores civis que atuam em parceria com o Poder Judiciário e saudou a comunidade indígena de Aruanã.
“A união fez a força. Em um esforço concentrado, um trabalho até altas horas, temos atendido prontamente todos os pedidos solicitados para acesso às documentações básicas. É gratificante fazer parte desse momento histórico com os povos originários”, frisou.
Para o registrador Cristiano de Castro Dayrell, titular do Registro Civil de Pessoas Naturais de Aruanã, a ação é uma forma de assegurar dignidade e identidade à população indígena da região.
“Já recebemos 76 pedidos de retificação de nome. Em 10 anos de cartório é a primeira vez que atendemos demandas como essa”, pontuou.
Tradição e respeito
O cacique Raul Hawakati Mauri, da aldeia Buridina, celebrou a ação inédita que garante o registro civil para a população indígena. Ele explicou que para a comunidade as tradições, nomes e hierarquia são hereditários.
“Venho de uma família de caciques pelo lado materno. Assumi a liderança da aldeia há 28 anos quando meu avô morreu. Nunca tinha visto uma ação como essa que busca o respeito e a consideração pelo nosso povo”, comemorou o cacique da etnia Karajá.
Mesa diretiva
Compuseram a mesa diretiva, além do corregedor-geral, desembargador Leandro Crispim, a juíza auxiliar Soraya Fagury, juiz Thiago Inácio, Arlirio Antunes, vice-prefeito de Aruanã; vereador Cícero da Costa Santos, representante da Câmara Municipal; delegado Webert Lopes; e o defensor público Tairo Batista Esperança, que representou o defensor público-geral de Goiás, Tiago Gregório Fernandes.
Integram ainda o corpo diretivo Francisco Reis, coordenador da Fundação Nacional dos Povos Indígenas; Fabrícia Bombeiro, representante da subseção local da OAB-GO; Evelyn Valente, presidente da Arpen-GO; Cristiano Dayrell, titular do Registro de Imóveis, Registro de Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Jurídicas, Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas de Aruanã; caciques Raul Hawakati Mauri, da aldeia Buridina, e Jason Tarobari, da aldeia Deburé.
Estiveram presentes ao evento, na condução dos trabalhos, Clécio Marquez, diretor de Planejamento e Programas da Corregedoria, e Sérgio Dias dos Santos Júnior, diretor de Correição e Serviços de Apoio.
Raízes culturais e serviços
Após a abertura da solenidade, as crianças indígenas da aldeia Buridina se apresentaram ao público como forma de agradecimento, demonstrando as raízes dos povos originários.
Além da emissão da 2ª via das certidões de nascimento, casamento ou com averbação de divórcio, RG e CPF, a comunidade indígena poderá contar com vários outros serviços até esta quinta-feira, 16, no fórum de Aruanã.
A Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO) e o Ministério Público de Goiás (MP-GO) também estarão no local realizando atendimentos. O público terá ainda a oportunidade de conhecer a exposição de artesanato indígena apresentada no hall do fórum local. Galeria de fotos (Texto: Myrelle Motta e Carolina Dayrell - da equipe de comunicação da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás e do Centro de Comunicação Social/Fotos e vídeos: Agno Santos - CCS)