De um lado, mais de 3.751 crianças e adolescentes disponíveis para a adoção no Brasil. Do outro, 33.046 pretendentes, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Em Goiás, o cenário é semelhante: 94 crianças disponíveis para adoção e mais de mil pessoas interessadas. E por que, então, a fila de quem espera por uma família não acaba? A explicação, de acordo com especialistas da área da Infância e Juventude, está no perfil. A idade, a cor, a deficiência e grandes grupos de irmãos são os maiores obstáculos, já que a prioridade é que eles sejam adotados juntos.
No entanto, uma história de muita luta e perseverança de um casal que mora no Canadá e aguardou mais de 3 anos para finalmente levarem os filhos para casa, teve um final feliz. Sem muita perspectiva de serem adotados devido à idade e à cor (a maioria dos adotantes prefere bebês brancos), os irmãos, que são negros e estão longe do padrão considerado “ideal” para a maioria dos pretendentes à adoção, *Ana, de 9 anos e *Mateus, de 4 anos (*nomes fictícios a pedido dos pais), não escondem o sorriso largo, tampouco abrem mão dos brinquedos que ganharam da nova família. A expectativa de conhecer o Canadá e começar uma nova vida é grande.
“Eu quero conhecer a neve, tia. Ver como é a cidade, o céu, os brinquedos, as outras crianças e as estrelas. Eu sei que vou ser muito feliz com meus pais lá no Canadá”, sorri, satisfeita e cheia de esperança, a pequena Ana*.
Neste outubro que se aproxima, considerado como o mês das crianças, os dois partem para o Canadá com os novos pais e terão um presente sonhado por muitas crianças: um futuro diferente de grande parte dos menores que se encontram em abrigos, graças ao empenho da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai-GO), presidida pelo corregedor-geral da Justiça, desembargador Leandro Crispim, e que tem como secretária-executiva a servidora Renata Souza Dias Locatelli de Oliveira, da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás. Ela fez questão de acompanhar de perto os pais, as visitas, as documentações, e o processo desde o início, auxiliando em todo o trâmite burocrático.
A despedida
Antes de deixarem o Brasil, os irmãos ganharam uma festinha de despedida da equipe da Cejai com direito a balões, docinhos, bolo, suco e muita alegria. A mãe das crianças, que é goiana e tem um problema disfuncional que lhe causou três abortos espontâneos, não consegue conter a emoção e o choro depois de finalmente concretizar o sonho de adotar as crianças após um percurso difícil e complexo.
“Eu amo contar essa história, a nossa história, porque ela é a prova de que o amor é maior que qualquer outra coisa, sabe? Eu não preciso de nada, biologicamente, para provar que o amor sustenta as pessoas, ele encoraja, fortalece, muda histórias. Tenho consciência que com a coragem que tivemos e a força de Deus a trajetória dos meus filhos foi completamente mudada. Eles são nossa luz, nosso bem maior, são nossos de alma e coração. E nada pode mudar isso”, emociona-se a mãe das crianças.
O começo
Juntos há mais de 15 anos, o casal que se conheceu de forma inusitada por uma agência de namoro e desde então residem no Canadá, relata que a decisão de adotar as crianças foi tomada em conjunto após as inúmeras tentativas da goiana de engravidar. Por ser de Goiás, a mulher sugeriu ao companheiro que gostaria que a criança fosse natural do Estado que nasceu.
Desta forma, ambos ajuizaram uma ação de adoção internacional e se inscreveram no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Os trâmites foram diversos: visita na residência, observação da convivência das crianças com os pais e os avós, assim como com a família em geral para ver a adaptação dos irmãos antes de promover a destituição do poder familiar.
Futuro promissor
Ao manifestar a enorme satisfação com a acolhida dos dois irmãos, o juiz Gustavo Assis Garcia, auxiliar da CGJGO, ressaltou o trabalho e o empenho incessante da Cejai, presidida pelo desembargador Leandro Crispim, para que a adoção fosse concretizada efetivamente.
“Essas crianças deixam o Brasil e uma história de vida cruel rumo a um futuro brilhante, com uma nova família, um lar verdadeiro, repleto de amor e cuidado. Eles certamente terão, a partir de agora, inúmeras possibilidades de crescimento pessoal e profissional. Um afeto que não tinham experimentado até agora. Ficamos impressionados com a perfeita adaptação desses dois irmãos com a família adotiva. Não poderia deixar de enfatizar o trabalho impecável da Cejai, presidida pelo desembargador Leandro Crispim, que não mediu esforços para essa adoção internacional ocorresse”, frisou.
Apoio e assistência integral da Cejai
Satisfeita e também emocionada com o sucesso desta adoção internacional, Renata secretária da Cejai-GO, que fez questão de dar todo o suporte aos pais no caso dos dois irmãos, inclusive acompanhando todo o processo para o embarque das crianças ao Canadá, ressaltou que se sente gratificada e acentuou que a felicidade no rosto das crianças não tem preço.
“Esse processo mexeu com todos nós pelo histórico tão bonito, pela luta dos pais adotantes que realmente almejam propiciar a elas uma vida melhor. Não é um procedimento simples, mas também nos esforçamos ao máximo para que tudo acontecesse o mais rápido possível para o bem dessas crianças e dos pais. É impossível a gente não se envolver, não se emocionar. Temos convicção de que agora esses dois irmãos terão um futuro brilhante e serão bem cuidados por essa família dedicada”, realçou.
Processo rigoroso
Todo o processo de adoção é longo e cheio de etapas. No caso de Mariana e Felipe, os critérios são ainda mais rigorosos por se tratar de adoção internacional. Os adotantes que se submetem ao processo de habilitação para adoção internacional passam pelo duplo crivo: no país de acolhida e aqui no Brasil. Após a adoção, os organismos internacionais são obrigados a enviar quatro relatórios durante dois anos com informações sobre o dia a dia delas e adaptação ao novo país.
Ainda, desde 1º junho de 1999, o Brasil exige como requisito para deferimento da adoção internacional, que o país de residência dos pretendentes tenha assinado a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na Convenção de Haia, em 29 de maio de 1993.
A audiência de adoção internacional foi presidida pela juíza Célia Regina Lara, do Juizado da Infância e Juventude da comarca de Luziânia, que deferiu a adoção das crianças aos novos pais, criando, assim, entre adotante e adotado, uma relação de parentesco independentemente do fato natural da procriação.
A magistrada analisou todos os requisitos exigidos pela legislação no artigo 51 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), sob os aspectos objetivos e subjetivos, e averiguou que os requerentes obtiveram êxito durante o estágio de convivência com as crianças com relatórios psicossociais favoráveis a ambos.
Sobre a adoção
A palavra “adotar” tem origem no latim “adoptare”, que significa dar o seu nome, optar e desejar. Juridicamente a adoção é o procedimento estabelecido em lei para que crianças e adolescentes tenham o seu direito à convivência familiar garantido, de forma que há o rompimento dos vínculos com a família biológica e colocação em família substituta. Tal procedimento só é possível quando esgotados todos os meios de permanência da criança e/ou adolescente em sua família biológica ou extensa.
O processo de adoção é gratuito e deve ser iniciado na Vara de Infância e Juventude mais próxima da residência do pretendente. A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida. Somente crianças e adolescentes com idade até 18 anos, cujos pais são falecidos ou que concordaram com a adoção (entrega voluntária) e que tiverem sido destituídos do poder familiar. (Texto: Myrelle Motta - Diretora de Comunicação Social da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás/Fotos: Wagner Soares – Centro de Comunicação Social do TJGO/ *O nome das partes e das crianças foram trocados e suprimidos a pedido da família)