Com a presença do corregedor-geral da Justiça do Estado de Goiás, desembargador Walter Carlos Lemes, foi inaugurado nesta terça-feira (20), em Israelândia, um dos primeiros presídios de Goiás que abrigará apenas mulheres. A iniciativa é do Judiciário local, que está sob a responsabilidade do juiz Marcos Boechat Lopes Filho, diretor do Foro, em parceria com o Ministério Público e representantes do Conselho da Comunidade, além do apoio da Administração Penitenciária e de policiais que atuam na comarca.
O presídio, que foi totalmente reformado, abrigará 51 presas, sendo que 31 são do regime fechado, 14 do semiaberto e 4 do aberto. Além de Israelândia, as detentas são inerentes das comarcas de Iporá, São Luís de Montes Belos, Ivolândia e Aurilândia.
Ao expressar grande preocupação com a questão penitenciária, o corregedor-geral parabenizou todos os envolvidos pela iniciativa e frisou que, embora a responsabilidade de construção de presídios seja do Estado, o Judiciário tem feito sua parte e cumprido seu papel social, respeitando os direitos fundamentais do condenado e assegurando diretamente as garantias constitucionais e direitos humanos dessas pessoas.
Para Walter Carlos, a realidade do sistema prisional está muito longe de cumprir o que determina a lei, quanto aos direitos que um preso tem para viver dignamente. “A precariedade dos presídios não contribui em nada para a verdadeira ressocialização dos presos, já que os que vivem em cárceres têm uma vida sub-humana. Contudo, hoje, aqui nesta comarca, nos deparamos com um contexto diferenciado que privilegia uma perfeita integração com a comunidade local, onde o juiz procurou dar uma solução efetiva para o problema com a ajuda da própria sociedade em que atua utilizando princípios baseados na dignidade humana, contribuindo efetivamente para a redução da criminalidade e da violência. Essas pessoas têm direito a uma vida mais digna, a ter condições mínimas de sobrevivência, pois somente através de um processo humano e educativo poderão novamente serem reintegradas no meio social”, destacou.
Estudo divulgado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (Dapp/FGV) apontou dados sobre as prisões de mulheres no País e mostrou que, entre 2000 e 2016, a população carcerária feminina aumentou 567%. Se considerados dados atualizados até 2018, o aumento se aproxima de 700%. Por essa razão, o desembargador considera essa iniciativa inovadora de implementar na comarca um presídio somente feminino de suma importância, já que, conforme expôs, o Brasil tem uma das maiores populações carcerárias femininas do mundo e as prisões relacionadas ao tráfico de drogas correspondem à maior parte delas.
“Na prática, o princípio da dignidade da pessoa humana, apesar de estar amplamente disposto no ordenamento jurídico brasileiro, não tem encontrando uma efetivação satisfatória no que diz respeito à pessoa e à integridade física e moral dos presos. A separação das mulheres é uma garantia de que sua integridade também será preservada, pois muitas sofrem violências de natureza diversa dentro dos estabelecimentos carcerários que apresentam falhas graves de superlotação e condições degradantes, dificultando, assim, a ressocialização”, pontuou.
O corregedor-geral fez ainda uma referência especial à remição da pena pela leitura regulamentada pelo TJGO por meio da Portaria Interinstitucional nº 1/2018, cuja proposta foi elaborada conjuntamente com o Ministério Público de Goiás, Secretaria de Estado da Educação (Seduce) e Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP). “A remição é um instituto penal favorável ao preso, permitindo que ele conquiste a sua liberdade de forma mais rápida do que cumprindo sua pena no tempo total ao qual foi condenado. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. Além de estimular a construção de conhecimentos e de propiciar a cultura, a remição diminui consideravelmente a ociosidade dos presos e possui caráter ressocializador. A leitura pode contribuir também para diminuir a reincidência criminal”, acentuou.
Satisfeito com o resultado do trabalho e do esforço concentrado do Judiciário local e de toda a comunidade, o juiz Marcos Boechat disse que a transformação da unidade prisional de Israelândia para acolher as presas é um sonho antigo almejado por todos. O magistrado explicou que anteriormente o presídio estava em condições precárias e informou que utilizou, inclusive, a mão de obra dos presos para reformar toda a estrutura do prédio, que agora conta com camas de alvenaria (distribuídas em triliches), armários para guardar os pertences das presas, cabines com uso de interfones, ventiladores e espaço adequado para visitas íntimas.
De acordo com ele, futuramente existe a pretensão de instalar televisões com programas educativos e instituir uma oficina para confecção de roupas e artesanatos que beneficiarão diretamente as presas, não só auxiliando na sua reinserção social, mas contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade melhor.
“Realizamos um trabalho amplo que abrangeu desde a pintura à reforma dos banheiros, além da implantação de um sistema de câmeras para propiciar maior segurança, e local adequado para visitas dos familiares. Antes os presos dormiam no chão e solicitamos então a construção de camas de alvenaria. Toda a verba arrecadada com a ajuda da comunidade foi destinada para melhoria de cada parte dessa unidade prisional, pois estamos lidando com seres humanos, neste caso, com mulheres, que merecem um olhar nosso até mais sensível. Todos estamos sujeitos a erros e cabe a cada um de nós ajudar nesse processo superação, só possível com um sistema mais humano”, enfatizou.
Trabalho valoroso e dedicação conjunta
Experiente no que tange à problemática que alcança todo o sistema prisional, a juíza Telma Aparecida Alves, titular da 1ª Vara de Execuções Penais de Goiânia e coordenadora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), falou sobre o trabalho valoroso desenvolvido pelos colegas nas comarcas do interior com o intuito de melhorar a situação alarmante dos presos e reforçou que mesmo não tendo verba, nem condições para construir presídios sozinho, o Judiciário tem se aliado à comunidade para modificar essa triste realidade.
“Faço aqui uma menção muito especial a meu colega Marcos Boechat que encampou esse projeto de coração. Apesar de todas as dificuldades impostas pelo Estado temos percebido e observado o fortalecimento dessas belas ações de cunho social e humano desenvolvidas pelo Judiciário e pela comunidade de cada localidade desse Estado. Iniciativas louváveis, dignas de todos os elogios”, enalteceu.
Por outro lado, o promotor de justiça de Israelândia, Cauê Alves Ponce Liones, lembrou que para construção de um novo presídio e mesmo a promoção de uma reforma em qualquer unidade penitenciária existe uma grande burocracia por parte do governo. Na sua opinião, os recursos adquiridos com a ajuda da comunidade é uma iniciativa que merece respeito e credibilidade. “Sem dúvida, hoje é um dia de celebração que representa uma conquista de todos os jurisdicionados desta comarca, uma vez que nossas presas poderão cumprir suas penas com a dignidade que merecem”, comemorou.
Acreditar que é possível uma mudança real do quadro que assola o sistema penitenciário enxergando o lado mais humano dos presos com um trabalho conjunto amparado na sensibilidade de toda a sociedade também foi uma das vertentes observadas pelo presidente da Subseção da OAB local Cleiton Alves e pelo coronel Edson Costa Araújo, diretor-geral da Administração Penitenciária. “Goiás vive hoje um tempo diferente no que se refere a melhoria do sistema prisional, graças à atuação do Poder Judiciário, de representantes do Ministério Público e dos Conselhos das Comunidades. Temos feito a diferença em meio a uma situação caótica que afeta toda a sociedade”, comentou o coronel. Também participou do evento a juíza Sirlei Martins da Costa, auxiliar da Corregedoria. (Texto: Myrelle Motta - assessora de imprensa da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás / Fotos: Aline Caetano - Centro de Comunicação Social)