Com quase 13 mil pessoas alcançadas e a realização de mais de 2 mil círculos de justiça restaurativa e de construção de paz entre a comunidade escolar, o Projeto Pilares, executado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás e que visa disseminar a pacificação no meio escolar com metodologias inerentes desses círculos, passa agora a fazer parte também da rede estadual de ensino. O termo de cooperação técnica foi firmado entre o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), CGJGO, e Secretaria de Estado da Educação (Seduc) na manhã desta terça-feira (5), no Auditório da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), na presença do corregedor-geral da Justiça do Estado de Goiás, desembargador Kisleu Dias Maciel Filho.
Ao divulgar os resultados significativos do Pilares e o seu amplo alcance social, o corregedor-geral, que desde o início se sensibilizou com o projeto, lembrou que ele já foi implantado na rede municipal de ensino da capital e em duas comarcas do interior (Luziânia e Goianésia). Na oportunidade, ele citou o levantamento feito pela Secretaria Interprofissional Forense da Corregedoria, que mostra que desde a sua criação no ano passado, já foram formadas 96 pessoas ligadas à educação (entre professores, coordenadores e apoio pedagógico) e outros 70 estão com a formação em andamento, ou seja, somente neste ano são 166 novos facilitadores, com expectativa de 240 para o próximo ano (cinco turmas para a rede estadual de ensino, duas para a municipal e uma para Itaberaí). “Considerando o número de pessoas que integram os círculos, bem como o índice daqueles já realizados, a estimativa, de acordo com a referida Secretaria, é de que já foram promovidos mais de 2 mil círculos de construção de paz com alcance de 12.350 pessoas entre a comunidade escolar (alunos, professores, entre outros)”, informou.
Para o desembargador (foto acima) o mundo está carente de escutas e diálogos. “Mais ainda que dialogar necessitamos "interculturar", ou seja, crescer através do diálogo com a vivência, a visão de mundo e a razão dos outros. O nosso grande desafio é viver junto, ou seja, conviver. Se faz urgente um olhar diferenciado sob as muitas violências que ocorrem no cotidiano da escola: as institucionais, as interpessoais, as físicas, as psicológicas, as simbólicas. Todas geram uma pressão contínua e que pode causar explosões – maiores ou menores – em determinados momentos e situações”, apresentou.
Kisleu Dias Maciel Filho falou ainda sobre o impacto do Pilares como um todo e sobre a importância do olhar humanizado sobre o outro. “Até o momento já foram evitados dois massacres planejados em escolas (uma da capital e outra do interior), com dia e hora marcados. As tragédias anunciadas foram impedidas com a realização de vários círculos de paz e a atuação direta de facilitadores (profissionais diversos ligados à área educacional) capacitados pela equipe da Divisão Interprofissional da Corregedoria”, frisou.
Complexidade e responsabilidade
A seu ver, a violência nas escolas é um tema difícil, complexo, que precisa ser analisado com a seriedade e a responsabilidade necessários. “A abordagem e o tratamento simplista muitas vezes dado pela própria mídia é motivo de preocupação, pois, sem uma contextualização adequada, isso pode levar a conclusões enviesadas. Apontar, mais uma vez, os alunos como os culpados pela grave situação de violência nas escolas é injusto, perpetua o estigma e não encara o problema de frente”, acentuou.
Por outro lado, o corregedor-geral disse que é necessário autoconhecimento e também entendimento das relações que acontecem na escola. “Sobre o contexto, é entender que a agressão que se manifesta no ambiente escolar é a ponta do iceberg e que não adianta somente tratá-la. É necessário entender o que gera esse comportamento. O Pilares é uma ferramenta poderosa de auxílio acerca das competências relacionais, sociais e emocionais desejáveis para uma boa convivência, como empatia, capacidade de escuta e comunicação assertiva, para que todos se sintam seguros e aptos a conviverem em paz”, sublinhou.
Muito emocionada, a juíza Sirlei Martins da Costa, auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e idealizadora do Pilares, representando na solenidade o desembargador Walter Carlos Lemes, presidente do TJGO, falou sobre a honra e a alegria de ver o projeto ser estendido para a rede estadual de ensino após a parceria do TJGO com a SME e o alcance para outros municípios goianos. “Todos os que se envolvem no Projeto Pilares, seja na formação de pessoas, na sua divulgação ou na sua prática diária são pessoas que decidem fazer diferente. Decidem que mudanças precisam ocorrer e todos devemos fazer parte dessas mudanças”, afirmou.
Estado de guerra e luta pela paz
Ao fazer uma análise dos números e as causas da violência que assolam hoje o País e indicam um constante “estado de guerra”, Sirlei Martins (foto acima) mencionou a guerra de gêneros, a racial, a religiosa, a de classes sociais e, por fim, a interna, individual e solitária, que, na sua opinião, tem efeito colateral refletido pelo uso do celular, internet e redes sociais, desembocando, assim, com automutilações e até suicídio. “Neste cenário, paz é algo que não perpassa nosso cotidiano, infelizmente. Somos uma sociedade de pessoas aprisionadas pelo medo e pelas incertezas. Quando pensei no Projeto Pilares lá no começo, ele nem tinha este nome, jamais imaginei que ele teria outra utilidade senão para enfrentamento de conflito entre seres humanos, uns contra os outros. Mas, para a minha surpresa, soubemos que um dos problemas que mais tem aparecido nos círculos restaurativos de paz realizado em escolas, principalmente com adolescentes, é a automutilação”, observou.
De acordo com a juíza, se a sociedade insistir apenas na solução punitiva, com fundamentos maniqueístas, será preciso redirecionar os recursos públicos para a construção de mais e mais presídios, onde o crime se fortalece com as novas adesões às facções que não param de crescer. “É nesse contexto que surge o Projeto Pilares porque como disse Cora Coralina: mesmo quando tudo parece desabar, cabe amim decidir entre rir e chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar”, parafraseou a poetisa.
Para a magistrada, não existe campo mais profícuo para o desenvolvimento do Pilares do que as escolas, no entanto, observou que essas instituições não podem carregar sozinhas a responsabilidade de transformar a sociedade. “Todas as instituições devem se engajar para que nossas crianças sejam capazes de buscar soluções positivas para os conflitos”, pontuou.
Por outro ângulo, Sirlei Martins ressaltou que nas escolas fica evidente a agressividade e a violência das pessoas, sejam homens ou mulheres. “As relações humanas estão cada vez mais complexas e talvez as mudanças nas famílias e na sociedade tenham ocorrido de forma muito rápida. Então, é preciso que as famílias, as escolas, e o Estado sejam capazes de dar suporte para que crianças e adolescentes enfrentem o conflito de modo a entender a origem do problema e que aprendam a lidar com o cenário de contínua alteração e diversidade sem que tudo desemboque em mais violência”, refletiu.
Humanidade, dignidade e solidariedade
A seu ver, por meio da comunicação não violenta é que se aprende a a ouvir, entender o que está por trás do conflito e, principalmente, e a encontrar soluções pacíficas. “Desta maneira, vamos construindo uma sociedade mais respeitosa, capaz de enxergar o outro com menos desconfiança e com mais respeito. Afinal, humanidade e dignidade não se separam, ao contrário, nos igualam por diferentes que sejamos”, evidenciou.
Sirlei Martins encerrou sua fala citando um provérbio africano que diz que “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança” e afirmou que já está na hora de todos assumirem sua parcela de responsabilidade na construção de uma sociedade mais ética e pacífica. “Sejamos capazes de investir na formação de gerações futuras mais pacíficas e não esqueçamos o ensinamento de Franz Kafka: a solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”, ponderou.
Já a professora Fátima Gavioli, secretária da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), que representou o governador Ronaldo Caiado, contou que abraçou o projeto desde o primeiro momento em que tomou conhecimento da sua existência e enalteceu o fato dessa inciativa partir da Justiça e não de um profissional da educação. “Nossa missão não se restringe a ensinar, devemos olhar o outro por completo. E pela primeira vez os círculos nos trouxeram essa visão, de ensinar e disseminar a paz no âmbito escolar”, elogiou.
Em breves palavras, Clédia Maria Pereira, titular da Gerência de Saúde e Segurança do Trabalho dos Profissionais da Educação e que, na ocasião, representou o secretário municipal de Educação, professor Marcelo Ferreira da Costa, falou da felicidade em poder participar de tantas histórias e experiências positivas na rede municipal de ensino e destacou que nesta seara já foram realizados 300 círculos de construção de paz. “O conflito deve ser uma oportunidade de crescimento, de busca de soluções pacíficas, para a construção de uma sociedade harmônica e respeitosa. O Pilares tem feito a diferença nas instituições escolares e todos os dias vemos resultados positivos. Para quem tem fé o que acontece no círculo de paz é um milagre, mas para quem não tem fé, o que acontece no círculo é magia”, emociona-se.
No início da solenidade foi transmitido a todos os presentes um vídeo de 10 minutos com relatos e experiências positivas decorrentes do Pilares na visão de magistrados, facilitadores, professores e alunos. Na sequência, o juiz Decildo Ferreira Lopes, de Goianésia e entusiasta do Pilares, fez uma apresentação sobre o projeto na comarca enfatizando seu amplo alcance social. A diretora da Divisão Interprofissional Forense da CGJGO, Maria Nilva Fernandes Moreira (foto abaixo), explicou a essência do projeto e conclamou todos a participarem ativamente da propagação da cultura de paz nas escolas. “Nossa luta continua, chega de violência, de omissões, precisamos tentar compreender o que de fato está acontecendo na nossa sociedade e a intervenção dos facilitadores são um mecanismo essenciais para evitar situações de violência em momentos cruciais”, aclamou.
Compuseram a mesa o desembargador Kisleu Dias Maciel Filho, corregedor-geral da Justiça do Estado de Goiás, a juízas Sirlei Martins e Maria do Socorro Afonso Silva, do 1º Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia, a professora Fátima Gavioli, secretária da Seduc, Clédia Maria Pereira, titular da Gerência de Saúde e Segurança do Trabalho dos Profissionais da Educação e que, na ocasião, representou o secretário municipal de Educação, professor Marcelo Ferreira da Costa, e o padre Carlos Gomes Silva, representando o arcebispo Dom Washington Cruz.
Também marcaram presença os juízes Donizete Martins de Oliveira, auxiliar da Corregedoria, e Decildo Ferreira Lopes, de Goianésia, Rui Gama da Silva, secretário-geral da CGJGO, Clécio Marquez, diretor de Planejamento e Programas da Corregedoria, além de vários profissionais ligados à área educacional nos âmbitos estadual e municipal, que lotaram o auditório da Asmego em adesão ao Projeto Pilares. (Texto: Myrelle Motta – Diretora de Comunicação da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás/Fotos: Aline Caetano - Centro de Comunicação Social do TJGO)