Por unanimidade de votos, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) determinou que a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás (SES-GO) deverá fornecer tratamento cirúrgico à Silvânia de Freitas Lacerda. O procedimento, denominado fetoscopia, é realizado exclusivamente na cidade de São Paulo. O relator do processo foi o desembargador Luiz Eduardo de Sousa (foto).
Consta dos autos que Silvânia de Freitas Lacerda encontrava-se na 25ª semana de gestação, sendo o feto portador de meningomielocele lombo sacral, com herniação cerebral. Por conta disso, o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) relatou ser necessária a submissão, com urgência, ao procedimento cirúrgico, realizado exclusivamente em São Paulo, no Hospital Samaritano, com a equipe da médica Denise Araújo Lapa Pedreira. Além da cirurgia, o MPGO afirmou que o parto deveria ocorrer no mesmo hospital, devido à impossibilidade de Silvânia regressar após a cirurgia, dado os riscos existentes.
Silvânia procurou a SES-GO para buscar solução para a aquisição do procedimento, mas não obteve êxito. Posteriormente, acionou o órgão ministerial, de modo que foi instaurado procedimento requisitório, que restou também infrutífero.
O Ministério Público do Estado de Goiás justificou a necessidade da cirurgia pela redução de até 50% da necessidade de colocação de válvula para tratamento de hidrocefalia e aumento das chances da criança andar, em igual proporção. Destaca ,ainda, que a patologia existente no feto foi diagnosticada pelo médico Waldemar Naves do Amaral, chefe do Departamento de Oncologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, o qual atestou a inexistência desse procedimento em solo goiano.
Em sua defesa, o Estado de Goiás afirmou que "a competência e responsabilidade dos entes federados para a prestação dos serviços de saúde restou definida pelas normas que organizaram o Sistema Único de Saúde (SUS), não havendo que se falar, portanto, em solidariedade dos demais entes da Federação, a partir da definição das áreas de atuação de cada esfera de governo, conforme definido pela Lei nº 8.080/90". Mencionou, ainda, que se for compelido a custear o tratamento sem a autorização das Portarias do Ministério da Saúde, a União não ressarcirá aos cofres do Estado tais gastos. Argumentou, então, ser ilegítimo o fornecimento da terapia medicamentosa.
O Estado ainda alegou que o procedimento em questão é de natureza experimental, "motivo pelo qual todos os custos envolvidos deveriam ser obrigatoriamente gratuitos para o indivíduo participante do estudo e cobertos pelo patrocinador da pesquisa, devendo ainda ter sido apresentado Termo de Consentimento Esclarecido".
O desembargador, contudo, destacou que a responsabilidade na prestação de serviços de saúde à população é solidária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, como previsto no artigo 198, §1º, da Constituição Federal. Afirmou que, sendo assim, "não se pode afirmar que existe responsabilidade exclusiva de um ou outro ente Federativo para concretizar o direito à saúde aos cidadãos. A competência administrativa no que atine à saúde pública é concorrente entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Como há farta documentação médica atestando o grave problema neurológico do feto e a necessidade do tratamento cirúrgico com urgência, bem como a insuficiência de recursos financeiros da paciente para custear o tratamento indicado, o magistrado entendeu ser dever do Estado, com atuação conjunta e solidária das esferas institucionais da organização federativa, prover o tratamento.
A Ementa recebeu a seguinte redação: "Mandado de segurança. Saúde. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. Direito à saúde. Artigo 196 da CF. Solidariedade dos entes públicos. Tratamento Fora do Domicílio (TFD). Portaria da secretaria de assistência à saúde SAS Nº 55, DE 24/02/1999 do Ministério da Saúde. Possibilidade. Requisitos preenchidos. Segurança concedida. I- O direito à saúde possui matriz constitucional, devendo ser resguardado de forma prioritária e solidaria entre os entes federados, nos termos do art. 196, da CF, com o fito de preservar a integridade física e moral do cidadão, a sua dignidade enquanto pessoa humana e, sobretudo, o bem maior protegido pelo ordenamento jurídico pátrio, qual seja, a vida. II– Incumbe ao Estado, em todas as suas esferas, prestar assistência à saúde da população, nos termos do art. 196 da CF, configurando essa obrigação em responsabilidade solidária entre os entes da Federação. Precedentes do STF. III- Existindo nos autos documentação médica apta a comprovar a necessidade e urgência da paciente-gestante em submeter-se a tratamento fora do domicílio, em razão da especialidade de procedimento cirúrgico a ser realizado e considerando a existência de norma da Secretaria do Ministério da Saúde, conforme exegese do artigo 4º da Portaria SAS nº 55/99 prevendo tal direito, constitui-se responsabilidade do Estado de Goiás de assegurar o custeio das despesas necessárias a concretização do Tratamento Fora de Domicílio - TFD, mormente porque tal possibilidade encontra-se também albergada, por simetria, no “Manual de Procedimentos e Normas do Tratamento Fora do Domicílio da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás”. Segurança concedida" (Texto: Daniel Paiva - estagiário do Centro de Comunicação Social do TJGO)