A proprietária do Berçário Bebê Feliz, Maria do Carmo Serrano, foi condenada a 8 anos, 6 meses e 20 dias de detenção, no regime inicial semiaberto, por agredir – verbalmente e fisicamente – 23 crianças, com idades entre um e seis anos, que frequentavam o estabelecimento. Maria do Carmo também terá de pagar R$ 3 mil para cada vítima, a título de reparação de danos. A decisão é da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) que, por unanimidade, seguiu voto do relator Leandro Crispim (foto), reformando parcialmente a sentença do juízo da 12ª Vara Criminal de Goiânia.

A denúncia foi recebida no dia 23 de novembro de 2010 e, das 23 crianças, apenas 10 ingressaram como assistentes de acusação, por meio de seus representantes legais. Além da detenção, a juíza que proferiu a sentença condenou Maria do Carmo ao pagamento de R$ 5 mil para cada vítima, a título de reparação de danos. Ela interpôs recurso, pedindo o desentranhamento da gravação audiovisual colacionada, alegando que a filmagem foi feita sem seu consentimento e sem autorização judicial, não podendo ser validamente utilizada como elemento de prova. Pediu também o reconhecimento da continuidade delitiva e da atenuante da confissão espontânea, e por fim, a exclusão do valor fixado a título de reparação mínima do dano, ou a redução do valor arbitrado.

Decisão

Em relação às gravações que deram início à investigação policial, Leandro Crispim explicou que a prova é válida. “A gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o consentimento do outro, é lícita, ainda que obtida sem autorização judicial, podendo ser validamente utilizada como elemento de prova, uma vez que a proteção conferida pela Lei nº 9.296/1996 se restringe às interceptações de comunicações telefônicas”, frisou. Disse ainda que as imagens não foram captadas violando o direito à intimidade ou à privacidade, tendo sido realizadas em ambiente sujeito a fiscalização.

Quanto ao pedido de reconhecimento da continuidade delitiva, relacionado aos crimes de maus tratos, o magistrado disse que não deve ser reconhecido, pois Maria do Carmo tratou cada uma das vítimas de forma diferente. “Para algumas crianças, as agressões eram psíquicas, já para outras os castigos eram físicos e diferentes entre si”, explicou. Ademais, as infrações ocorreram em intervalos superiores a 30 dias, sendo entendimento dos tribunais em não admitir a incidência desse instituto quando as condutas criminosas forem cometidas em lapso superior a 30 dias.

A Pena

A juíza singular condenou Maria do Carmo a 5 anos e 7 meses de detenção, na 1ª fase da dosimetria da pena, levando em conta a culpabilidade, sua personalidade, os motivos, as circunstâncias, as consequências do crime e o comportamento das vítimas. Na 2ª fase, foi reconhecida a circunstância agravante do meio cruel, aumentando um mês de pena para cada um dos delitos. O desembargador verificou que foi utilizada violência excessiva, crueldade para com as vítimas e brutalidade fora do comum, “não só pelas agressões físicas, mas principalmente pelas sequelas psicológicas deixadas nesses menores”. Nesta etapa, também, não foi reconhecido o atenuante da confissão espontânea, já que em nenhum momento Maria do Carmo admitiu a autoria do crime. Ainda, na fase investigativa, ela utilizou seu direito ao silêncio, e em seu interrogatório judicial, negou a acusação.

Na 3ª fase, a pena de cada um dos crimes foi majorada em um terço, pelo motivo de as vítimas serem menores de 14 anos, como previsto no inciso 3º do artigo 136 do Código Penal, totalizando 8 anos, 6 meses e 20 dias. O regime inicial semiaberto foi mantido, sendo considerado adequado e devidamente justificado. Leandro Crispim também manteve a fixação do valor devido para reparação dos danos às vítimas, porém, constatou que o valor foi fixado de forma elevada, reformando a sentença apenas para reduzi-la para R$ 3 mil para cada uma. Votaram com o relator, o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga e a desembargadora Carmecy Rosa Maria Alves de Oliveira.

O Caso

Em períodos distintos, entre os meses de outubro de 2006 e novembro de 2010, no Berçário Bebê Feliz, localizado no bairro Parque das Laranjeiras, em Goiânia, a proprietária, Maria do Carmo Serrano, submeteu crianças que estavam sob sua guarda a intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicar-lhes castigo pessoal. Uma das funcionárias do estabelecimento, não suportando mais a situação, levou os fatos ao conhecimento da autoridade policial e filmou as agressões praticadas pela proprietária.

Consta dos autos que as crianças eram agredidas verbalmente e fisicamente, frequentemente, com xingamentos, socos, chutes, beliscões e empurrões. Em algumas situações, Maria do Carmo as deixava sem alimentação e água potável, as obrigava a tomar banho em água fria e ingerir o próprio vômito, forçava-as a permanecerem com as roupas sujas de fezes e urina, esfregava em seus rostos panos sujos de fezes ou vômito, as trancava no banheiro sem iluminação e as submetia a violência física. Veja decisão. (Texto: Gustavo Paiva – estagiário do Centro de Comunicação Social do TJGO)