Num universo de 6 mil ações penais, um terço corresponde à Lei Maria da Penha na comarca de Luziânia. Muitas vezes, um réu já foi condenado por agressão ou ameaça à mulher e reincide. Mais do que um índice de violência, o problema é cultural e social, na opinião da juíza Alice Teles de Oliveira (foto), titular da 2ª Vara Criminal da comarca. Para mudar esse quadro, a magistrada instaurou uma mediação inédita no Estado de Goiás: colocar vítima e agressor frente a frente, intermediados por um profissional especializado, com o projeto Dialogando a Gente se Entende.

“A intenção é resolver problemas de convívio além do crime, de interesse social ou econômico das partes. Há, muitas vezes, casais que, mesmo após a denúncia, continuam a morar junto. Muitos têm filhos e bens em comum. É preciso incentivar a harmonia entre ambos e não apenas promover a punição”, sintetiza Alice.

Durante as mediações, a questão penal não é, inclusive, ponto de discussão – o processo criminal continua, normalmente, seu trâmite. Contudo, com o diálogo entre homem e mulher, é possível extinguir ações de guarda ou de divisão de patrimônio, distribuídas na Vara de Família, acredita a juíza.

Se necessário, a equipe vai indicar acompanhamento interdisciplinar ao casal, com profissionais de psicologia e serviço social. “Essa mediação não será destinada para todos os casos – vamos analisar as peculiaridades de cada um. Muitas vezes, a vítima não quer mais contato nenhum com o autor da agressão. Mas, em diversos outros, vemos que o casal reata. Queremos evitar novos conflitos e a reincidência”.

Como exemplo, a juíza cita uma história de um homem que fora réu em cinco processos – todos eles contra a mesma pessoa, a atual companheira. “Em outro processo, afirmei para o réu que ele deveria, primeiramente, se tratar, se não, continuaria fazendo a mulher, ou mesmo futuras esposas ou namoradas, como vítima”.

Primeira audiência

A primeira audiência foi realizada nesta terça-feira (25), mediada pela servidora Maria Lúcia de Castro, idealizadora da iniciativa. A inspiração veio dos programas de Justiça Restaurativa e de Mediação, incentivados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“A mediação trabalha como facilitadora do diálogo familiar, o que pode resultar em restauração dos laços que os uniram um dia. O trabalho do mediador facilitador pode realizar a desconstrução do conflito, fazendo com que os participantes reconheçam o cerne do problema e busquem as próprias soluções que vão satisfazer a ambos”, destacou a servidora.

Diferentemente da esfera cível, na qual a conciliação busca uma solução financeira aos envolvidos, o foco desse projeto é a pacificação social, elucida a magistrada. “Estimulamos a reparação do dano, o pedido de desculpas, para, assim, o autor da agressão se conscientizar. A punição penal é muito importante, mas precisamos trabalhar além”.

Futuramente, a juíza acredita que esse método poderá ser praticado entre réus e vítimas de outros crimes, “a fim de mostrar que todo o delito tem consequências graves, que afetam a vida de terceiros”. (Texto: Lilian Cury – Centro de Comunicação Social do TJGO)