Foi na sala de aula em que estuda que Alisson Freire, de 12 anos, recebeu, na noite de quinta-feira (20), um benefício assistencial (Loas) de quase R$ 30 mil (retroativo a 2010), por ser portador de xeroderma pigmentoso (doença genética, rara e mortal, que deixa a pessoa hipersensível à exposição solar e causa câncer). A edição especial foi realizada pelo Programa Acelerar – Núcleo Previdenciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), no Povoado Recanto das Araras, em Faina, a 240 quilômetros de Goiânia.


Muito reservado, de olhar triste e desconfiado, o menino, que quase não sorri e é obrigado a viver no escuro, praticamente dentro de casa, isolado das pessoas para não ficar exposto à luz solar, demonstra uma rara alegria por ter obtido o auxílio. “Mamãe, deu certo! Será que agora poderei ser um pouco normal se usar esse dinheiro para pagar o tratamento?” questionou o garoto (foto abaixo), olhando, com lágrimas nos olhos, para a mãe, Gleice Francisca Machado, que, recentemente, perdeu o marido Djalma Freire, seu primo em quarto grau, devido a proliferação do câncer.

Gleice é presidente da Associação Nacional dos Portadores de Xeroderma Pigmentoso e escreveu o livro Nas Asas da Esperança – A História de Dor e Resistência da Comunidade de Araras para tentar arrecadar dinheiro no intuito de auxiliar o filho e os outros moradores da comunidade, além de conscientizar e esclarecer as pessoas sobre a gravidade da doença. Ela chorou abraçada ao filho após a notícia de que ele teria o direito, pelo qual ela vem lutando há mais de cinco anos, garantido. “Esse mutirão valeu todos os ‘tapas na cara’ que recebemos, todos os nãos, as barreiras que tivemos de enfrentar, os inúmeros preconceitos sofridos, a falta de amor e de compaixão de tanta gente que encontramos pelo caminho”, desabafou.

Um minuto de agradecimento
Foi na única igreja do povoado que uma família inteira com xeroderma pigmentoso agradeceu a Deus pela concessão dos benefícios. Os irmãos Maria Darci de Bastos, de 32; Luís Carlos de Bastos, de 34; Maria José Martins de Souza, 54, e Maria Luíza Apolinari Bastos Souza, de 43, conseguiram se aposentar durante o mutirão. Os filhos de Maria Darci, um menino de 2 anos e uma menina de 4 anos, também carregam a enfermidade consigo, mas ainda não desenvolveram a doença.
“Quando penso que daqui uns anos posso ver meus filhos, agora saudáveis e bonitos, com essas manchas horríveis no rosto, sem uma orelha, nariz, lábio, com o rosto e o corpo deformado como nós, sofrendo todo tipo de dor e preconceito, meu coração fica muito apertado. Só espero que Deus nos ajude e que esse dinheiro possa nos dar mais algum tempo de vida. Eu só quero que minhas crianças não passem por isso. Rezo todo dia e sei que vou ser atendida nas minhas preces”, pede, com fé, olhar voltado para o céu.

Benefício imediato
Um servidor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) esteve presente ao esforço concentrado para implantar, de imediato, o benefício aos moradores da comunidade ainda nesta sexta-feira (21). Eles já começarão a receber os auxílios em no máximo 30 dias, conforme explicou o juiz Reinaldo de Oliveira Dutra, coordenador do Núcleo Previdenciário em Goiás. “Me sinto mais beneficiado com essa ação do que essas pessoas. Sou eu que preciso agradecer essa oportunidade, que não está restrita a concessão de benefícios, mas ao nosso engrandecimento como seres humanos. Pessoas que mesmo com tantas adversidades, lutam com dignidade, sem se entregarem. Dentro de uma sala de audiência, não conseguimos ter a dimensão do real problema pelo qual a pessoa está passando. Ali, olhando nos olhos das pessoas, vendo o local onde mora, trabalham, estudam, é que podemos mensurar com exatidão, tudo o que elas estão passando”, observou.
Somente na noite de quinta-feira (20), em Araras, foram realizadas 31 audiências, concedidos 27 benefícios e proferidas 100% das sentenças. O valor pago em benefícios atrasados foi de R$ 219.172,96. A abertura do mutirão em Araras foi feita em conjunto pela juíza Alessandra Gontijo do Amaral, diretora do Foro de Goiás e responsável pela iniciativa, por Reinaldo Dutra e pelo presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), Gilmar Luiz Coelho. Alessandra Gontijo relembrou a promessa feita em fevereiro do ano passado aos moradores locais para que tivessem seus direitos assegurados legalmente. “Viemos aqui hoje para fazer Justiça e não, promessas. A Justiça social tem de ser uma oração diária. É muito bom ser importante, mas é mais importante ser bom”, emocionou-se. Gilmar Coelho lembrou que o perfil do juiz atual deve ser aquele que mais se aproxima do cidadão. “Hoje o Judiciário faz uma demonstração de humanidade e respeito com os jurisdicionados e com todos aqueles que necessitam. Os magistrados deixaram seus gabinetes pra vir até esse povoado no esforço de resgatar a dignidade dessas pessoas e garantir direitos que lhes são inerentes”, pontuou.
O perito judicial Warley Linconln, que esteve no esforço concentrado, esclareceu que o fato de, algumas vezes, a doença não se manifestar externamente em alguns enfermos, não quer dizer que não tenha de ser controlada. “O xeroderma é uma doença grave e as consequências são inúmeras como neoplasia, além de extensões secundárias. A prevenção é a única forma de controlar a evolução da doença. Mesmo que alguns doentes não tenham lesões exteriores, o câncer pode se manifestar internamente”, elucidou.
Outra pesquisa recente efetuada pela USP detectou na comunidade, após uma segunda coleta de sangue realizada recentemente, outros 169 portadores de XP. Anteriormente, numa primeira avaliação, em meados de 2010, foram comprovados 21 doentes, dos quais dois parentes residiam nos Estados Unidos. Nas últimas cinco décadas, 20 pessoas naturais do vilarejo morreram corroídas pelo câncer. Mais de 60 perderam a vida com os mesmos sintomas, mas não receberam diagnóstico médico. Cerca de 200 famílias residem em Araras.

Encerramento dos trabalhos
As atividades do Acelerar Previdenciário na Cidade de Goiás terminaram nesta tarde. Foram analisados aproximadamente 231 processos – incluindo os de Araras. Dentre eles, o caso de Divino Gonçalves Noronha, de 57 anos. Portador de vários transtornos mentais, além de déficit cognitivo e epilepsia, ele obteve o Loas (amparo assistencial ao deficiente) durante o mutirão, em sentença proferida pleo juiz Reinaldo Dutra. O irmão e curador Adenil dos Santos Noronha, explica que como ele não sabe contar cédulas de dinheiro e tem dificuldade de compreender a realidade ao seu redor, e que, por esse motivo, é frequentemente enganado e explorado por donos de fazendas. “Às vezes pagam para ele 5, 10 reais. Ou não dão nada pelo serviço prestado. Ele precisa muito de ajuda e não tem como viver sozinho. Hoje, tenho certeza de que a justiça foi feita aqui”, festejou.
Atuaram em Goiás e na edição especial do Acelerar Previdenciário de Araras os juízes Luciana Nascimento Silva, de Turvânia; Luciano Borges da Silva, de Santa Helena de Goiás; Marli de Fátima Naves, de Vianópolis; Reinaldo de Oliveira Dutra, de Acreúna; Rodrigo de Melo Brustolin, de Rio Verde, e Gabriela Maria de Oliveira Franco, de Caiapônia. Também participaram especialmente do evento em Araras a juíza Francielly Faria Morais, de Goiás; a procuradora federal Eulina Souza Brito Dornelles Berni, dois peritos judiciais, uma assistente social e uma pedagoga. (Texto: Myrelle Motta/Fotos: Aline Caetano - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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