Mais de 400 pessoas passaram pelo fórum de Cavalcante, nesta terça-feira (29), para a realização de 145 audiências durante o Programa Acelerar – Núcleo Previdenciário. Entre os jurisdicionados, a maioria pertencia as comunidades Kalungas, nome atribuído a descendentes de escravos fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil que formaram comunidades isoladas. O município, localizado na Região Nordeste do Estado, abriga uma população com mais de 10 mil habitantes, sendo que a metade está localizada nos Povoados Engenho, Vão do Moleque e Vão das Almas.

Joza Francisco de Carvalho, de 60 anos, saiu da comunidade Engenho II um dia antes da audiência para estar no fórum no horário marcado. “Eu estou muito feliz por ter conseguido. Que Deus proteja todo mundo”, comemorou a mulher, agradecendo a todos que estavam na sala de audiência (foto acima). “Já valeu eu ter vindo aqui só de ver essa alegria da senhora”, disse o juiz Altair Guerra da Costa, que homologou o acordo entre Joza de Carvalho e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Além disso, ela receberá mais de R$ 14 mil em atrasados referente a pensão por morte do marido.

“O meu avô e o meu bisavô eram kalungas. Esses eram kalungas mesmo, daqueles que fizeram de tudo para fugir dos patrões”, contou Joza de Carvalho. Ela revelou que “acha” que vai ajudar os filhos com o dinheiro, mas ainda não tem certeza sobre qual será o destino do valor que receberá. “Eu vou pensar porque tenha alguns planos”, falou. Segundo ela, morar na comunidade é o que lhe garantiu estar viva até hoje. “Não dou conta da cidade, não. Meus filhos já foram para a cidade, meu marido morreu e eu não saio de lá por nada”, ressaltou.

Orgulho também de pertencer à comunida kalunga e ser descendeste de escravo tem Ana Maria da Cunha Santos, de 45 anos. Ela e o filho Joilson da Cunha Pereira, de 15, só vão a cidade em casos extremos. “Eu só vim porque precisava tentar o benefício dele. Nem quando estou doente, eu vou”, afirmou.

Eles moram na comunidade Vão das Almas. No local não tem energia elétrica e o meio de transporte é o burro, cavalo, motocicleta ou mesmo a pé. “E a gente pega um caminhão na ponta da estrada para conseguir chegar aqui”, revelou, ao dizer que são 90 quilômetros de distância enfrentados até a cidade mais próxima, que é Cavalcante. De poucas palavras, Joilson não esconde sua timidez. O adolescente é albino e não se previne. O albinismo é uma condição genética que se caracteriza pela falta de melanina no corpo. Sem ela, os indivíduos apresentam pele extremamente branca e olhos e cabelos claros, como é o caso de Joilson.

O jovem passará a receber o benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) por invalidez. O acordo foi homologado pelo juiz Thiago Cruvinel Santos que, na sentença, afirmou que “trata-se de ação ordinária proposta contra o INSS visando a concessão do benefício de prestação continuada. Na audiência de instrução e julgamento designada para esta data houve a composição amigável entre as partes”, ressaltou.

Já o valor das parcelas vencidas que ele receberá será de R$ 14.800,00. “Vou comprar filtro solar para ele e um óculos de grau”, garantiu a mãe do garoto. E, depois disso, ela afirmou que irá arrumar a casa onde mora, que é de barro. “Primeiro a saúde dele, depois a nossa casinha”, frisou.

Participam do mutirão em Cavalcante os juízes Everton Pereira dos Santos, Thiago Cruvinel Santos, Altair Guerra da Costa e Flávio Fiorentino de Oliveira. Amanhã o mutirão segue para Alto Paraíso e na quinta e sexta-feiras terminará a semana na comarca de Padre Bernardo.

Região e seus contrastes - O contraste predomina na região de Cavalcante. Os kalungas vivem a 320 quilômetros (km) de Brasília (DF) e a 550 km de Goiânia. A beleza do município que abriga cerca de 60% da área total do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é marcada por cachoeiras e rios e são nesses locais que vivem os kalungas. Entretanto, relatório divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em novembro de 2014, revelou que 55,6% dos adultos residentes nessas comunidades quilombolas vivem com fome. A mesma realidade, embora em números um pouco menores, se reproduz na população infantil, na qual 41,1% das crianças e adolescentes quilombolas estão sob esta condição. (Texto: Arianne Lopes – Fotos: Aline Caetano – Centro de Comunicação Social do TJGO)

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