Em relações de afeto entre jovens namorados, a conjunção carnal consentida não ofende a dignidade sexual da vítima menor de 14 anos. Esse é o entendimento da juíza Placidina Pires (foto), da 10ª Vara Criminal da comarca de Goiânia, ao absolver um homem que namorou e manteve relações sexuais com uma jovem de 13 anos.

O réu e a vítima admitiram que mantiveram um relacionamento amoroso, durante um mês, e que só não continuaram o namoro porque a mãe da jovem não permitiu. A jovem admitiu ainda que ele não foi seu primeiro parceiro sexual, tendo perdido a virgindade em um relacionamento anterior. A defesa do acusado pediu sua absolvição concordando com o parecer do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), que argumentou não haver ofensa ao bem jurídico tutelado. Alternativamente, requereu o reconhecimento de erro de tipo, aduzindo que não sabia a verdadeira idade da vítima.

A juíza observou que, com a edição da Lei 12.015/2009, o artigo 217-A do Código Penal (CP) – denominado estupro de vulnerável – passou a abranger tanto o estupro quanto o atentado violento ao pudor, nas hipóteses em que a vítima for pessoa vulnerável ou menor de 14 anos. A partir desta Lei, a idade da vítima passou a constituir elemento normativo do tipo penal. Contudo, a magistrada disse que não se mostrou suficiente para resolver os problemas quanto à evolução da moral sexual da sociedade ou evitar debates nas cortes brasileiras em relação ao estado de vulnerabilidade, se é absoluto ou relativo quanto ao menor de 14 anos.

“De fato, numa sociedade moderna, com o amadurecimento precoce dos jovens, resultante do maior acesso às informações de massa e ao conhecimento, inclusive de temas relacionados à sexualidade, que não são mais vistos como tabu, não se mostra razoável desconsiderar as particularidades de cada caso concreto, e partir de uma premissa absoluta de que o menor de 14 anos, tão somente em função de sua idade cronológica, não possui capacidade suficiente para consentir com a prática do ato sexual”, explicou Placidina Pires.

Orientação do STJ

A juíza disse que a nova orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) precisa passar por uma nova reflexão, a fim de permitir ao julgador a análise de cada caso concreto, principalmente em casos que envolvam jovens casais de namorados. “Não me parece adequada nem constitucional a fundamentação inflexível, baseada na proteção que, em vez de proteger, desprotege e desampara quem merece proteção integral do Estado, permitindo uma interferência desnecessária e desproporcional do Direito Penal nas deliberações tomadas no seio das famílias regularmente constituídas”, afirmou.

Placidina Pires citou a Lei Romeu e Julieta (Romeo and Juliet Law), exceção criada nos Estados Unidos para resolver o problema do sexo consentido entre adolescentes – inspirada nos célebres amantes juvenis imortalizados por Willian Shakespeare –, hipótese em que é afastada a presunção de violência quando a diferença de idade entre os protagonistas do ato sexual seja igual ou menor que cinco anos, pois consideram que ambos estariam no mesmo momento de descoberta da sexualidade. Nesses casos, não há crime.

Mencionou também o direito italiano, o qual possui previsão semelhante. Na Itália o ato sexual realizado entre menores não é punido, quando a diferença de idade entre eles for de até três anos de idade. Para as hipóteses em que a diferença de idade é um pouco maior, casos menos graves, foi estabelecida uma causa de diminuição de pena de até dois terços. 

“Na esteira do direito comparado, o direito brasileiro poderia ter adotado orientação semelhante para os casos em que não for constatada a exploração sexual dos adolescentes, ou seja, para as hipóteses em que o ato sexual consentido resultou de relação de afeto”, explicou.

Portanto, ao analisar as peculiaridades do caso, a juíza verificou que a vulnerabilidade é relativa, visto que a vítima tinha 13 anos de idade ao tempo do fato, e mantinha relacionamento afetivo com o acusado, possuindo discernimento mínimo para a relação sexual, pois já não era mais virgem, admitindo ter tido relacionamento amoroso anteriormente. Ademais, verificou também que o ato sexual foi consentido e que o relacionamento somente não prosperou porque a mãe da jovem proibiu, tendo o réu demonstrado que tinha a intenção de manter o namoro com a vítima, sem o intuito de enganá-la ou ludibriá-la. “Não se trata evidentemente, o caso em tela, de hipótese de pedofilia ou de exploração sexual da adolescente”, concluiu Placidina Pires. (Texto: Gustavo Paiva – estagiário do Centro de Comunicação Social do TJGO)